segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Método dialético e método positivista

 
por José Chasin
texto em Word/1988

Algumas características do que chamei de tronco das tendências positivistas no campo gnosiológico do pensamento filosófico e da ciência do homem ou da ciência social.

Se há um tronco positivista, um conjunto de posições, não apenas as posições ligadas a Augusto Comte, há, por outro lado, um tronco dialético. São dois troncos e o tronco positivista tinha gnosiologicamente, epistemologicamente, como filosofia da ciência.

Do ponto de vista dialético não é possível pura e simplesmente adotar a subdivisão teoria do conhecimento, epistemologia, filosofia da ciência que já é por si o produto da perspectiva positivista. Do ponto de vista dialético, sem dúvida existe uma problemática do conhecimento e existe uma problemática da ciência. As coisas são extremamente interligadas. De modo que ao falar em epistemologia ou em gnosiologia eu estou remetendo sempre, simultaneamente, a uma teorética do conhecimento e a uma teorética da episteme. Mas, de modo inverso ao positivismo, estou remetendo a uma teoria da ciência, a uma teoria do conhecimento que não nasce a partir de uma reflexão pura e simples da observação do procedimento científico no campo rigorosamente laboratorial, entre aspas.

Enquanto todas as correntes pensam a gnosiologia e a epistemologia a partir das formas superiores da elaboração do espírito, isto é, tomam como ponto de partida resultados da autonomização da inteligência, do espírito, tomam um momento elevado do produto histórico da elaboração científica. O que eu quero dizer: quando um Kant, quando um Descartes, quando todos os pensadores da história da filosofia tomam a questão do conhecimento para tratar, quando convertem o fenômeno do conhecimento num objeto específico para examinar a partir da elaboração já de nível elevado que a ciência tem atingido, da matemática, da física, passam a refletir sobre o problema do conhecimento como se ele se instaurasse no instante em que o especialista recuasse diante do objeto, no espaço do seu laboratório – o laboratório pode ser a biblioteca – e começasse a refletir sobre o que é o conhecimento a partir desse instante. Tudo funciona como se o conhecimento se instaurasse a partir desse momento, o momento do conhecer sistemático, rigoroso, intelectual, elaborado, etc.

A dialética, não. A dialética toma como ponto de partida um instante muito mais natural e historicamente efetivo. A dialética instaura sua gnosiologia a partir do instante em que ela descobre no homem efetivo, não no homem especialista, no homem filósofo, no homem intelectual, mas no homem comum, no homem na sua cotidianeidade, a partir desse homem que trabalha, e eu grifo a palavra trabalha, é que instaura a problemática gnosiológica. Sendo a ciência, a filosofia, enfim as formas superiores do espírito resultado dessa gênese na cotidianeidade, produto de um distanciamento, produto de uma autonomização do espírito em relação ao cotidiano, há uma independentização deste pensamento. Sobre isto voltaremos. Eu quis apenas caracterizar aqui a diferença de raiz entre uma gnosiologia de ordem marxista e uma gnosiologia de ordem não marxista. Enquanto uma parte do laboratório a outra parte da condição histórico-concreta do homem efetivo, não do homem especulativo.

Na atualidade existem dois grandes ramos de respostas no que tange à problemática do conhecimento. Há dois conjuntos de respostas. Mais simples ainda. Há um conjunto de respostas e estas podem ser classificadas em dois ramos. O ramo positivista e o ramo dialético. Retomo os traços do positivismo. Primeiro a concepção do sujeito. (Trecho sobre as implicações políticas da relação sujeito-objeto).
(Obs: Falta a parte de caracterização do positivismo. Não foi gravada. Mas, foi desenvolvida no dia anterior).
Caracterização do ramo dialético. “A dialética trata da coisa em si”. Com estas únicas palavras se faz a dialética de Marx ser não apenas diferente de todo o tronco positivista, mas ser o seu oposto. Se a dialética trata da coisa em si e o positivismo recusa, evita tratar da coisa em si, nós estamos com dois troncos diametralmente distintos.

Ao se dizer que a dialética trata da coisa em si está-se subentendendo primeiro a possibilidade de o entendimento alcançar a integridade e a integralidade dos objetos postos para o conhecimento. A posição do método dialético concebe um ser cognitivo que alcança a totalidade do objeto. Alcançar o todo essencial do objeto, conhecê-lo no seu núcleo mais íntimo é compreendido como uma possibilidade real do sujeito.

Desde logo, portanto, há uma afirmação ontológica da gnosiologia marxiana. Sujeito que pode conhecer a totalidade do objeto e agora nós temos que parar um pouco sobre este sujeito. Sim, este sujeito pode conhecer a totalidade do objeto, mais do que isto, ele deve conhecer a totalidade do objeto, ainda mais, conhecer é só conhecer quando a totalidade do objeto é compreendida. Só é objetivo o conhecimento da totalidade. O conhecimento só é concreto quando referido ao todo.

A concepção do sujeito já é distinta da concepção do sujeito do positivismo. De um lado, no positivismo, o sujeito é um sujeito de consciência limitada, no caso da dialética, o sujeito é ilimitado. E essa infinitude do sujeito não está remetida pura e simplesmente à individualidade. O sujeito do conhecimento não é entendido como a individualidade singular concreta. O sujeito do conhecimento não é apenas a consciência individual isolada. Mais do que isso. A consciência individual isolada é de fato a consciência real, mas ela expressa um sujeito coletivo de conhecimento, que é o real responsável pela constituição da perspectiva que permite o conhecimento. Em última análise, os indivíduos reais é que consubstanciam esse conhecimento, mas eles consubstanciam em termos e na medida em que eles realizam uma condição de possibilidade objetiva que os ultrapassa.

Aqui o sujeito do conhecimento é, à semelhança do sujeito da história, um sujeito coletivo. Quem é o sujeito da história? São os indivíduos isolados? Não. As classes sociais são os sujeitos coletivos da história. As classes sociais é que realizam a história. Os dirigentes ostensivos individuais, que detêm as alavancas do poder do Estado, são representantes de uma política, quer dizer, de um interesse global de categorias sociais. O sujeito cognitivo é a classe. É no interior do sujeito coletivo que as individualidades realizam a apreensão cognitiva objetiva concreta exata.

Aqui é preciso diferenciar a classe como aquela que cria uma perspectiva do conhecimento, é a sua condição em si, isto é, independentemente da sua consciência. A classe em si, no conhecimento, o contorno da classe, o espaço sócio/histórico que ela ocupa, pela sua raiz de produção e reprodução material, isto é, pela sua raiz econômica, ela tem uma dada perspectiva, ela tem um dado espaço, ela tem uma dada presença que demanda independentemente da sua consciência um desdobramento. Esse desdobramento a que ela alude, no plano do conhecimento é ou não aproveitado pelas individualidades que da perspectiva dela se põem. Assim, o grande pensador, o grande cientista, o grande intelectual objetiva, realiza uma possibilidade tracejada pela existência em si da classe, consubstanciando um conhecimento possível. Mas que a classe enquanto conjunto não delimitado concretamente não efetiva. Quer dizer, a classe é o verdadeiro sujeito cultural, consequentemente o verdadeiro sujeito cognitivo, mas quem realiza a cognição são as consciências individuais. Não é uma consciência coletiva.

O que é consciência coletiva? O que se pensa aqui talvez Lucien Goldmann tenha feito uma aproximação interessante, é falar numa intra-subjetividade. Não intersubjetividade, como era em Kant. A objetividade kantiana é a identidade das diferentes consciências individuais. Cada consciência individual confere com a consciência individual do outro. Se viver a mesma situação e se tiver as mesmas informações ele conclui a mesma coisa. Resultado, a intersubjetividade kantiana é uma identidade das diferentes subjetividades individuais. No caso dialético, não é esta intersubjetividade que é aludida. Hegel já tinha feito a crítica da intersubjetividade. Porque a intersubjetividade significaria, pura e simplesmente, da perspectiva hegeliana, que o objetivo é aquilo que é comum à subjetividade. Se o verde me parece vermelho e se a todos o verde parece vermelho, o verde passa a ser objetivamente vermelho. Isto mostra que a intersubjetividade consolida o equívoco. A objetividade não é um parecer de.

A objetividade é realmente uma subordinação da subjetividade. A objetividade implica a regência objetiva sobre a subjetividade. Como o conhecimento, no método dialético, subentende o objeto regendo a cognição, enfim o primado gnosiológico está no objeto não no sujeito, ainda que o sujeito não seja inativo. Em última análise, quem configura a subjetividade é o objeto. Em Kant, é a subjetividade que organiza a objetividade. No caso da dialética, é a objetividade que organiza a consciência. Em vários pontos, pensando ao inverso de Kant temos a dialética.

Este sujeito coletivo, dentro do qual atuam e realizam os seus objetivos os sujeitos individuais, estes sujeitos individuais o realizam na medida em que o fazem da perspectiva de certas classes. Aí então, a objetividade é entendida como uma possibilidade de classe. É entendida como uma possibilidade do sujeito coletivo. E não como uma escolha do sujeito individual. Isso é um ponto decisivo. A objetividade não é o resultado da construção de um discurso rigoroso, mas a objetividade é o resultado de uma condição objetiva de possibilidade social que permite então a geração do discurso rigoroso. Dito de outro modo, a objetividade não é alcançada por um discurso de rigor, mas o discurso de rigor é constituído, possibilitado por uma potencialidade de classe.

Fora da dialética, a objetividade, isto é, a captura do real pelo discurso científico é resultado do encaminhamento de um discurso rigorosamente conduzido. É o discurso que tem o segredo da captura da realidade.

A dialética não nega a necessidade de um discurso rigoroso. Ao contrário, acentua que ele é imprescindível, porém dá um passo mais profundo. O discurso rigoroso é gerado por uma condição de possibilidade objetiva que transcende esse discurso e que é posto pelas necessidades e possibilidades das categorias sociais. As formas do discurso rigoroso não são consequência de uma opção do cientista, que escolhe entre o instrumento adequado e o instrumento inadequado. A própria escolha do instrumento é uma condição de possibilidade que ultrapassa o indivíduo e é tornada possível pela categoria social à qual o investigador se liga. Não é a ideia de que o investigador tenha que nascer naquela categoria social, isto é, só o investigador proletário conhecerá a verdade, todo investigador burguês só conhecerá a falsidade. Se o investigador burguês se colocar da perspectiva da categoria social proletária, abre para si a possibilidade da objetividade. O investigador proletário que se perspectiva pelas condições de possibilidade da burguesia, constituirá uma ciência falsa. A maior parte dos investigadores da perspectiva proletária, não são proletários. Não houve, até hoje, nenhum grande dialeta proletário.

Naquele momento, que é um largo momento de alguns séculos, a burguesia tem necessidade da verdade. Ela precisa da verdade para constituir o seu mundo. Ser objetiva corresponde às suas necessidade sociais. Ela então efetiva uma cognição objetiva. A partir de meados do século passado, a burguesia entra numa outra fase, numa fase em que, consolidado o seu poder, estruturada em todos os níveis a sua dominação, o prosseguir da efetuação do conhecimento objetivo leva a abalar a sua posição de dominação. Do ponto de vista intelectual, a verdade passa a ser inimiga de classe. O seu conhecimento tem de passar a ser um conhecimento que veda a possibilidade da objetividade. Não é uma escolha dos indivíduos da burguesia, é uma determinação coletiva de classe. Ela tem que recusar até mesmo os princípios com os quais ela lidou e a partir dos quais ela articulou a sua compreensão efetiva de mundo. Agora a sua compreensão de mundo tem de ser no mínimo uma barragem ao entendimento.

A questão que nós estudamos do entendimento e da razão. O homem limitado, o homem ilimitado. Para o iluminismo, a razão era ilimitada. A razão humana tinha a possibilidade de organizar o mundo do homem e o mundo da sociedade sob a forma racional total. É a mesma burguesia que dirá, com Augusto Comte, já antes um pouco, que o entendimento, a razão é limitada, o espírito é encolhido, o mundo não é capturável no seu todo. Exatamente o oposto do que ela dizia um ou dois séculos antes. É o mesmo sujeito que, em momentos históricos distintos de sua evolução sintetiza o mundo intelectualmente, teoricamente de modos diferentes. Contraditórios, contrapostos, antagônicos.

Um elemento fundamental da prova que você quer é a própria prova histórica. A mesma classe que gera a verdade passa a gerar a falsidade. A verdade ou a falsidade correspondem a necessidades sociais. A verdade não é o luminoso universo maravilhoso dos nossos anseios de verdade pura, nem a falsidade é o mundo obscuro, demoníaco do desejo de obscuridade. Falso e verdadeiro correspondem a necessidades sociais em momento distintos do mesmo sujeito. Este sujeito coletivo gerará os produtores de teoria individuais que vão constituir a verdade ou que vão constituir a falsidade. Verdade e falsidade que serão vistas para esta classe como simples verdade. O falso é visto como verdade. Só uma outra classe, contraposta a essa, é que pode denunciar a falsidade da primeira. Não também porque seja uma classe que ame a verdade acima de tudo. Porque ela tem necessidade da verdade para derrubar a verdade falsa da outra. A luta entre verdadeiro e falso corresponde, no campo da compreensão, do conhecimento teórico, ao mesmo jogo e luta de interesses no sentido infraestrutural. Conhecer é credenciar-se ao poder. É por aí que fundamentalmente Marx colocava: socialismo é ciência. Não há socialismo sem ciência. Isto é, não há socialismo se conhecimento da própria classe que pode construir o socialismo e de todas as outras classes com as quais a classe revolucionária convive em harmonia contraditória. Ou melhor, em articulação contraditória. A falsidade socialmente necessária é ideologia. O pensamento falso, que é necessário à sobrevivência de certo tipo de sociedade, para a sobrevivência de certo tipo de classe social, é o pensamento falso, que precisa ser produzido e tornado dominante, é o pensamento ideológico.

Há mais de um sentido da palavra ideologia. Há mais de trinta. Mas isso (esse levantamento de sentidos) é baboseira acadêmica. Existem dois sentidos reais e importantes. Um, que é o mais usado, que o Marx usava, de falsa consciência. Ideologia é o pensamento falso, é a consciência falsa. É o pensamento que não corresponde à realidade concreta.

O outro sentido de ideologia, e esse foi instaurado por Lênin, ideologia significa sistema de ideias verdadeiro do proletariado. Quando Lênin dizia ideologia burguesa, ele pensava em termos iguais a Marx, de falsa consciência. Quando ele dizia ideologia do proletariado, ele queria dizer sistema de ideias científico do proletariado. No nascimento do termo ideologia, que foi no século XIX, ideologia pretendia ser, para o seu criador, que foi Destutt de Tracy, ciência das ideias. É um sentido que não pegou. É um sentido que foi derrubado rapidamente. Ele pretendia constituir uma disciplina para conduzir a reflexão de tal forma que o erro ficasse impossibilidade. Um estudo do sistema de causação dos erros para evitá-los. E para ela, inclusive, era uma ciência de origem zoológica.

Aproveitei a passagem da determinação social do pensamento para mostrar que essa verdade ou esta falsidade corresponde a determinações objetivas do ser social. O falso pode ser, em determinados momentos, tão importante para a sobrevivência de uma sociedade, de uma classe, quanto o verdadeiro. O verdadeiro não tem si a força de ser prevalecente. Por isso que a evolução da humanidade não é uma linha reta cultural. Por isso que a cultura não é um sistema cumulativo de conhecimentos. A ciência avança e recua.

Por isso que no início dessa exposição eu pude dizer que hoje estamos muito abaixo do que estávamos enquanto humanidade no começo do século. Como visão, como padrão, como consciência média mundial estamos hoje, com uma diferença de cem anos, num padrão inferior. O que não quer dizer que hoje não poderíamos estar num padrão muito superior. Mas, não estamos. É um zigue-zague. Que haja obras que estejam muito acima do padrão médio, é outra conversa. Mas, elas estão nas prateleiras. Eu dou um exemplo disso. Quanto se estuda de marxismo na academia, seja a nível de Brasil, seja a nível internacional? E irrecusavelmente o marxismo é, esteja ele certo, esteja ele atravessado por equívocos, a expressão mais alta de todo o pensamento ocidental. De Aristóteles aos nossos dias, a fórmula mais avançada de cognição é de Marx. Pode estar incompleta, pode estar cheia de equívocos, contudo não há nenhuma postura mais avançada, mais perfeitamente constituída para a captura da verdade. No entanto, ela não é uma ideologia dominante. No sentido de sistema de ideias. O que é dominante hoje é o neopositivismo e o existencialismo. Ambos, sistemas de ideias constituídos depois de Marx, como reação inclusive a Marx e que constituem parcelas de vedação do real. Portanto, involução, flexão para trás. Por mais sofisticado que apareça o texto e o texto aparece sob alta sofisticação técnica.

Recapitulando: sujeito concebido coletivamente, capaz de um entendimento total do objeto. Sem limites, portanto, e que captura o objeto na sua dimensão integral, portanto indicando e exigindo uma ontologia.

Com relação à empiricidade, reconhece a dialética que o ponto de partida de todo e qualquer conhecimento começa pela janela do fenômeno. Não há outra janela. É a experiência imediata que me traz ao espírito, ao entendimento, à razão, elementos iniciais de contato com o real.
E Hegel já compreendia isso e dizia: o empírico é verdadeiro enquanto empírico. Quer dizer, já para Hegel, mas com mais força ainda para Marx, não se recusa o empírico. Parte-se do empírico. Mas, desde logo, compreendendo que o empírico é parte. Não é todo. Mais ainda no Marx, que o empírico, aquilo que se manifesta de imediato, pode estar sob a forma do inverso da essência. Isto é, meu contato inicial do empírico me traduz uma situação dada, a nível fenomênico, e este nível fenomênico, que me é capturável na imediaticidade, pode ser o oposto de verdade. Isto quer dizer, o real pode aparecer sob forma mistificada. Não mistificada pela consciência do outro. Mistificada pela própria realidade objetiva.

Dou um exemplo a nível do social. Quanto um operário encosta a barriga no balcão do Departamento de Pessoal de uma fábrica qualquer para pedir emprego, ele está disposto a que? A vender a sua força de trabalho. E o sujeito que o atende no balcão, que representa o capital, está disposto a comprar a força de trabalho. Tendo o balcão por peça de referência. Tendo indivíduos de cada lado que estabelecem um diálogo muito preciso, um querendo vender uma coisa, o outro querendo comprar uma coisa. Qual é o suposto disso? Está suposta uma igualdade. Entre o que compra e o que vende. Um é livre para vender, o outro é livre para comprar. Tudo aparece ali como se fosse uma transação entre iguais. E o é a nível fenomênico. Mas, e a nível essencial, ontológico? Aquela igualdade esconde uma desigualdade de raiz e de essência. Esconde que o sujeito só vai lá vender porque é a única maneira de sobreviver. Portanto, a pseudoliberdade, a aparência fenomênica, tem uma subordinação de raiz, que ele não pode vencer a não ser pela morte. Ele está coagido a vender, mas a aparência é de livre venda. Ora, o fenômeno aparece objetivamente como mistificação. Não é a mistificação da palavra ou da consciência, é da própria realidade. A realidade é mistificada. É uma realidade que em linguagem hegeliana e mesmo marxista se pode dizer falsa. O empírico é falso. Olha como isso acaba com o positivismo de uma vez. Se o dado empírico é o ponto de partida e de chegada, se a partir do dado empírico eu faço ilações em termos de leis abstratas e genéricas, se toda a ciência é a constituição de universais abstratos a partir do fenomênico, num fenomênico falso o que eu tenho? Que a lei abstrata é a generalização da verdade falsa. E o positivismo comete esse engano sempre.

Então, eu tenho que partir do fenomênico. Não há alternativa. Mas, eu tenho que cotejar esse fenomênico com a interioridade ontológica do objeto real e aí então fazer a crítica do fenomênico. Eu tenho que desmistificar o fenomênico. Na maioria das vezes há uma contraposição entre fenômeno e essência. A essência é o oposto do fenômeno. A essência é o inverso daquilo que eu vejo na imediaticidade. Não é que eu não veja objetivamente. Eu vejo objetivamente. Mas, a objetividade em si vista é que é falsa. Eu não estou duvidando dos olhos, dos sentidos, como Descartes. Os órgãos dos sentidos me enganam. Não é isto. Descartes aí está enganado.

Os órgãos dos sentidos me enganam, às vezes, por uma ilusão de ótica. Eu vejo uma chaminé de longe e em vez de um cilindro eu vejo um retângulo. Mas, vejam que na prática, por conhecimento de essência, eu venço o empírico. Eu continuo dirigindo a 120, sabendo que lá embaixo a estrada não fecha. Se eu fosse me basear só na empiricidade, eu ia a cinco.O ontológico me corrigindo na prática as ilusões fenomênicas. A essência corrigindo, portanto, os órgãos dos sentidos. A razão corrigindo o meramente sensorial. Vejam que na prática o ontológico interfere, ao passo que o positivismo nega o ontológico, quando a própria evidência individual de cada um de nós recusa negar o ontológico. A própria experiência individual nos dá exemplos de que nós nos comportamos levando em consideração o ontológico, isto é, o em si das coisas. Depois vem um ramo do conhecimento e me diz que o em si é inalcançável.

É claro que essas formas rudimentares de tomar em consideração o ontológico – atravessar a rua, o navio, a chaminé – são formas elementares. O ontológico que se quer científico tem uma outra estatura, porém não uma outra natureza. Já na vida prática imediata o ontológico atravessa a nossa existência. Por outro lado, no entanto, não é o aspecto dominante. O aspecto dominante é um conhecimento meramente do bom senso. É um conhecimento do cotidiano, que é um conhecimento da superfície das coisas. Dou um exemplo. Nós todos lidamos com dinheiro. Na hora em que entramos num banco e descontamos um cheque, entramos no sistema complexíssimo das finanças, operamos com esse dinheiro cotidianamente. E todavia não sabemos o que é o dinheiro. E não importa, ontologicamente, o que é o dinheiro, o em si do dinheiro, como ele é de fato nos escapa por completo.

Há dois instantes reais de conhecimento. Há mais, mas quero, aqui, fixar dois.Um, que é o instante da imediaticidade, onde a gente se move a nível dos fenômenos, dos fenômenos mistificados. Esta mistificação, esta empiricidade, esta imediaticidade, no entanto, nós formamos algumas idéias a respeito disso e nos movemos. O plano do conceito, o plano da interioridade efetiva, ontológica, do objeto, já é outro campo. É o campo da ciência. Entre um e outro pode, às vezes, haver mesmo um abismo. Mas há, realmente, no sentido mais essencial, uma continuidade superadora.

Novamente recapitulando: o sujeito não é limitado e não limitado é também o conhecimento que se pode ter dos objetos. Ao contrário, o conhecimento é integral. O sujeito não é meramente o sujeito individual. Este é o expressador, o efetuador, mas não é ele que cria as condições de objetividade possível. Isto é a classe. A verdade é regida pelo objeto, não é regida pela consciência. Daí a necessidade de uma teoria do ser, da ontologia. Daí aquela colocação do Marx desde a juventude, de buscar a ideia no real. Onde eu posso buscar a ideia? Em dois lugares: ou no real, ou na consciência. O que não quer dizer que a consciência não seja um elemento do real. Mas, aqui, está-se distinguindo a interioridade e a exterioridade. A perspectiva da dialeticidade é buscar a ideia no real, o que não quer dizer que se despreze nem a ideia nem a consciência. Mas, a consciência tem a regência, o primado cognitivo do objeto. A objetivação é saber subordinar, ter a possibilidade social objetiva de subordinar a subjetividade à objetividade. Não à empiricidade, mas à ontologia deste objeto, partindo da empiricidade e esta empiricidade sendo desmistificada. Ora, a empiricidade desmistificada pela consciência, basta aí para mostrar a alta importância da consciência; é ela que é a desmistificadora. Ela desmistifica para superar o plano da empiricidade e alcançar o plano da concreticidade. Entre empírico e concreto, uma forte distinção.

A essência também é mutável. No caso da perspectiva dialética, não há uma contraposição radical entre fenômeno e essência. Há uma conjugação dialética. A essência também não é uma imutabilidade, não é uma mônada leibniziana, não é o uno parmenidiano, é um ser real que pode mudar. A própria essencialidade não é uma eternidade. Ao contrário, a eternidade da essência é a sua não eternidade. Donde, o homem não tem uma essência, mas tem uma condição. A essência é a verdade do em si. A essência não é um caroço. A essência atravessa no passado, no presente e no futuro, sob modos diversos da condição diversa, todos os fenômenos, todas as partes do fenômeno.

A ideia de essência, em Parmênides, com relação à dialética, não tem uma contraposição excludente. A potência, em Aristóteles, é uma possibilidade em aberto. É, ao meu ver, a visão medieval de Aristóteles, a calificação do tomismo, não de S. Tomás, mas do tomismo, é a calificação da essência, que em Aristóteles é, no entanto, um princípio móvel. Não é à toa, por exemplo, quando se vai constituir a ontologia do marxismo, que certos aspectos da ontologia de Aristóteles são retomados. Lukács faz isto. E Marx, mesmo, no Capital, referia com muito respeito Aristóteles.

O problema da empiricidade.

Essa empiricidade é ponto de partida. Eu tenho que lixar essa empiricidade, se ela estiver mistificada, eliminar essa mistificação, se ela não estiver mistificada, a partir dela chegar à essencialidade ontológica, isto é, ao concreto. O segredo fundamental do método dialético é exatamente estabelecer a concretude. É exatamente caminhar a partir da visão difusa e confusa, caótica, da completude da empiricidade, para a concretude, passando pela abstração. Parte-se da pletora empírica desordenada, ordena-se por abstrações e destas abstrações se volta à empiricidade, mas agora essa empiricidade não é mais a empiricidade, mas a concretude. O caminho é esse: a empiricidade caótica, a organização abstrata e a concreção a partir do abstrato. O empírico agora é integrado na totalidade do real. Ele passa a ser determinado pela multiplicidade de elementos que o compõem. Esse é o segredo da frase do Marx que “O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações” .

Consequentemente, o empírico que chega ao concreto, a prova da teoria não é o empírico, mas é o concreto ontologicamente compreendido.

O empírico é a manifestação fenomênica tópica, ele remete às relações fenomênicas mais elementares e superficiais. E pode aparecer, na maioria das vezes aparece sob forma mistificada. Exemplo de empiricidade: toda descrição, no mais vasto rol possível, a respeito, por exemplo, de uma comunidade. Descrevo quantas casas, quantos aposentos existem em cada casa, a alimentação, a organização familiar, as doenças, as festas, os cultos, etc. Faço a enumeração exaustiva de todos os dados que sensibilizam os meus órgãos dos sentidos. Eu tenho uma visão empírica das coisas. O concreto é a descrição do quadro da comunidade, mas que chega ao sentido lógico, íntimo da comunidade. Não é apenas o empírico pensado. É o empírico elevado de nível, para além apenas das suas aparências. Não é apenas aquilo que aparece, mas aquilo que está subjacente e que causa o próprio empírico. O iceberg é um exemplo claro disto. O pedaço de gelo que está acima da água é a porção menor do ser que lá existe e o pedaço que está por cima depende do pedaço que está embaixo.Quanto maior for o pedaço que estiver embaixo d’água, tanto menor o de cima. Se eu fico só no pedaço de cima, me escapa a maior parte do real. Tudo isso são metáforas. O empírico não está fora do concreto, mas o concreto é muito mais amplo do que o empírico. O concreto é essa totalidade, essa integralidade, este em-si capturado pela lógica interna, íntima do objeto. Não uma lógica da minha cabeça conferida ao objeto, mas a lógica do objeto capturada, reproduzida pela consciência. Neste sentido, no meu modo de entender, o melhor modo de dizer o que é dialética é dizer que dialética é a lógica do real.

A retomada, através das reenumerações das características ontem apontadas. A primeira delas, a caracterização da consciência, do entendimento, da inteligência, enquanto interioridade humana capaz da captura da totalidade do objeto e a própria concepção desta consciência como consciência ilimitada. A concepção positivista da consciência é de uma consciência finita. A concepção da consciência na dialética é de uma consciência infinita. Era preciso explicar essa infinitude. Totalidade do objeto é capturável; fenômeno e essência não mais conhecem uma diferença abismal. Ao contrário, a relação entre as duas constitui um dos traços marcantes dessa metodologia.

O elemento empírico é o ponto de partida, mas o ponto de chegada é a individualidade concreta. Do empírico ao concreto estabelece-se uma imensa e rica gama de abstrações. Em contraposição à tendência positivista, que parte do empírico, portanto, da parcialidade do todo e estabelece meramente uma abstração, a pretensão dialética é partir do empírico, da parte, alcançar um nível classificatório através da abstração, através de um segundo movimento de manuseio das abstrações ir recompondo, em determinações cada vez menos abstratas e mais concretas, até chegar ao concreto efetivo. O caminho é completamente diferente. O que é ponto de chegada no positivismo, a abstração, na dialética é a cadeia de concatenações que se faz a partir das abstrações; é pura e simplesmente mediação. Em última instância, na dialética o objetivo não é a lei, mas a lógica da individualidade. Para isso é preciso conhecer a lógica da universalidade.

Ainda quanto ao sujeito, há uma dialética entre o sujeito individual e o sujeito coletivo. Enquanto o sujeito individual é suposto, é concebido como sujeito efetuador, o sujeito coletivo é a classe. (Os agrupamentos sociais não são apenas aqueles constituídos pelas classes. Há outros. O grupo de uma Igreja, o grupo de uma escola, etc. O grupo constitui o sujeito que cria o espaço de. Ex: O grupo de jogadores de futebol. Só é possível jogar futebol num grupo. A classe social é, nesse sentido, o sujeito cultural em potência). Isto se refere à determinação social do pensamento e da razão. A razão é então concebida como um produto histórico. E na medida em que é um produto histórico é um produto social. Isto é, as individualidades não nascem racionais. O ser humano não nasce racional. É a sociedade que faz com que esta possibilidade se converta em efetividade. Em ato real. A razão não é, neste sentido, um dom ou um dote da natureza, mas um produto da própria vida humana. Vale dizer, da própria vida social. Não existe humanidade fora da sociedade. O que confere humanidade ao homem é o fato de ele ser um fragmento, uma individualidade dentro do contexto social.

Tome-se a questão da fome e da sexualidade. A forma de satisfazer a fome e a forma de satisfazer a sexualidade, ambas como pulsões biológicas naturais, são totalmente reformuladas pela história. Nem a fome é uma fome natural. A fome que só se resolve junto a uma mesa, no uso de talheres, com alimentos preparados, cozidos, condimentados, etc. é obviamente uma fome distinta daquela que através do dilaceramento direto e imediato do animal que acaba de ser abatido pode fazer imaginar. Em última análise, a forma de produzir o homem produz as necessidades e as formas de satisfação do homem.

Enquanto o homem é homem, se o homem pode admitir já a denotação de homem, neste instante ele já não é inteiramente natural. Já há uma elaboração do próprio homem. O que não quer dizer que o homem perca por inteiro as suas características de ser natural que evoluiu. Na visão do marxismo, o metabolismo entre homem e natureza é permanente. Cada vez mais ele se distancia da natureza e cada vez mais ele se torna histórico, social, produto da sua própria história, da sua própria atividade. Mas, ele não tem condição, ao limite, de romper com a naturalidade. Sempre haverá um gancho na natureza. A nossa dimensão biológica tem que ser mantida. Ela pode ser transformada, mas deve ser mantida como dimensão biológica. Civilização é progressivo afastamento do natural. Contudo, não há um rompimento absoluto em nenhum momento, nem este rompimento é possível. Mas, há uma transfiguração absoluta. De modo que não há nada no homem que seja puramente natural. Esta história que hoje em dia corre de voltar ao natural, de ser natural, é estupidez de sub-homem.

Este naturalismo é a concepção da espiritualização do homem. O espírito do homem, é aí que eu quero chegar para poder reencadear com a razão, é produto da atividade social do homem. O homem não nasce com um espírito, mas forja um espírito. Esse espírito não é uma realidade metafísica, sobrenatural, mas é a elaboração mais alta possível. Não estou aqui ferindo a questão da transcendência, da religiosidade. O materialismo de Marx tem diante disto uma clara posição. Subentende que a espiritualidade da religiosidade é a forma corrompida, é a forma alienada do verdadeiro espírito do homem. A religião é, para Marx, o espírito de um mundo que joga fora o espírito. A religião é uma forma de reagarrar o espírito, mas é uma forma alienada.

Ora, esse espírito, essa espiritualização do homem, tem imbricado em si um conjunto de características e fatores, entre os quais aqui interessa uma, que é a mais importante delas, a mais decisiva, a mais alta: a razão. A razão não é um ponto de partida, é um ponto de chegada. Ou, melhor ainda, é um ponto de chegada ao qual nunca se chega. Porque a razão é uma possibilidade de efetivação que progressivamente se transforma, amplia, torna mais profunda, complexa e rica. A racionalidade é algo que cresce. Ao mesmo tempo é preciso notar que esse crescimento, esta evolução não é algo que se dá em linha reta. Há regressões na racionalidade. E não é preciso que regrida a racionalidade em todos os setores da vida, ao mesmo tempo, num momento dado. É possível regredir em certas atividades e progredir em outras. No momento atual, a racionalidade que diz respeito ao manuseio, à capacidade de manipulação dos fenômenos da natureza, é progressiva. A capacidade racional de entender a totalidade da dimensão humana, neste sentido social, este é um momento regressivo em termos de média dominante no mundo. A dialética é capaz de explicar precisamente como uma coisa pode ascender e outra descender simultaneamente. Coisa que era um enigma para toda a história do pensamento anterior, onde os historiadores se viam embaraçados com coisas desse tipo: avançou aqui, porém lá não, por quê?

Com todo esse discurso eu quis caracterizar de forma muito nítida a ideia de concepção de racionalidade que não é uma entidade natural. A razão da dialética não é uma razão natural, mas é uma razão histórica. É como tal que se desdobra, que evolui e involui, que se amplia e se reduz. Não há uma única razão humana. Aristóteles: o homem é um animal racional. Parece aqui embutida a ideia de uma razão padronizada, uniforme, que nem decresce nem evolui. Uma razão que tem configurações estabelecidas, configurações estas que não se alteram. Quando a perspectiva que aqui se traduz é precisamente o inverso. E as mutações têm momentos decisivos para ocorrerem. Ocorrem em consonância com a alteração das formas de organização da sociedade. Mais um elemento pelo qual a determinação social do pensamento se justifica.

Neste sentido, inclusive, como elemento entre aspas de prova, o que temos: que até a prova empírica disto existe. A análise mostra que as teorias, por exemplo, gnosiológicas, metodológicas, as formas da ciência, as ciências que aparecem e as ciências que desaparecem, as disciplinas que são consagradas num determinado momento e noutro somem, formas literárias, por exemplo, o romance. O romance não existiu eternamente. Formas de inteligência que são típicas de momentos históricos. Formas de consciência política, social, econômica, etc.

O que eu quero marcar, aqui, é a ideia de uma razão historicamente dada. Uma razão que não é uma faculdade meramente natural, consequentemente, é claro que não é uma mera subjetividade. Claro que a razão não existe fora do indivíduo, da inteligência, portanto ela é um elemento interior do homem. Mas, o que eu quero dizer que ela não é pura subjetividade é no seguinte sentido: ela não tem regras próprias, a sua lógica não é gerida por ela. A lógica da cabeça não é um produto da cabeça. É um instante abstrato da lógica da realidade que passou para a cabeça.

É o concreto pensado, mas aí, como forma lógica, um concreto pensado vazio de conteúdo. Retida apenas a logicidade de conteúdos agora não referidos. Então, um silogismo, que parece algo constituído puramente pela mente, é facilmente perceptível como o resultado de encadeamento de afirmações e negações que derivam de afirmações e negações trazidas diretamente de uma longa e milenar exercitação de atividade prática. Se eu tenho A igual a B, B igual a C, portanto, A igual a C, sob esta forma genérica e abstrata total, eu tenho passagens da vida absolutamente concreta e imediata que, abstraídas do seu conteúdo me dão esta forma. Esta forma não é o que gera a possibilidade de operação com elas, mas elas são o resultado de uma operação na realidade. Em última análise, é o resíduo purificado que fica na cabeça depois de milênios de exercício efetivo e real do homem. Que se fixa como um território homogêneo e que é utilizado para mexer nas coisas que antes não eram mexidas.

Todas as categorias do entendimento seriam abstrações de operações que a realidade prática estabeleceu.

Essa razão que se constitui historicamente tem agora que ser vista na relação entre conhecimento absoluto e conhecimento relativo e que está ligado ao que já foi aludido como infinitude e finitude da razão. A concepção da infinitude da razão significa para a dialética o seguinte: o homem é capaz de apreender o significado, conhecer portanto todas as coisas do mundo na sua máxima interioridade e profundidade. O homem individual, sua consciência real objetiva é uma consciência que pode se expandir. Está ligado isto à constituição histórica da razão. E esta infinitude da razão individual não significa que a nível de cada individualidade seja realizada efetivamente. Porque é que ela não é realizada efetivamente? Porque o conhecimento absoluto não depende pura e simplesmente da individualidade. Segundo, todo e qualquer conhecimento depende do estágio histórico em que os entes já tenham se explicitado. Eu não posso efetivamente conhecer o segredo do trabalho antes que o trabalho tenha chegado à sua forma mais completa e fundamental. Aristóteles, que aludiu à questão do trabalho e aludiu com muito rigor, esta noção de trabalho que ele tinha era uma noção limitada na medida em que a forma trabalho é uma forma limitada. Só quando se chega ao trabalho mais alto que a história já gerou, que é a forma do capitalismo, é que eu posso entender a totalidade ou a quase totalidade do trabalho. Que quer dizer então isso? Que a infinitude da consciência está delimitada pelas aquisições possíveis a cada momento histórico dado. Significa que a infinitude da consciência, em realidade, para cada instante histórico, é uma finitude, mas essa finitude não se fecha em si, é uma finitude aberta para a infinitude do gênero. Se eu tomo agora a noção já apresentada de sujeito coletivo, a infinitude é uma possibilidade do sujeito do conhecimento. Do sujeito coletivo do conhecimento, não simplesmente da singularidade. Ainda que esta singularidade, em Marx, seja concebida como cada indivíduo sendo o elemento que reproduz em si o seu gênero. Isto é, cada homem é, ao mesmo tempo, a totalidade da humanidade à qual pertence. Ele pode reproduzir em si; não quer dizer que ele reproduza sempre porque há o problema da alienação que o priva disso. Cada indivíduo traduz dentro de si o gênero, a totalidade da humanidade. Mas esta humanidade tem, como sujeito coletivo do conhecimento, também os seus limites historicamente postos. É a isto que se chama relação dialética entre conhecimento relativo e conhecimento absoluto. O relativo não é aqui sinônimo de relativismo. No sentido de que o sujeito A conhece A’, o sujeito B conhece B’, o sujeito C conhece C’ e são conhecimentos diferentes, cada um conhece um pedaço, cada um tem uma certa apreensão, mas não é o todo, consequentemente cada pedaço é relativo e eles se equivalem. Para a dialética está inteiramente excluído o relativismo. Ou a verdade está aqui ou está ali. Ela não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. A verdade é uma. Eu posso ter dez posições diferentes. Ou todas as dez estão erradas, ou uma das dez está certa. E não é preciso que a maioria acredite nesta única. Pode ser que seja a minoria. O fato de a maioria acreditar em alguma coisa não é nenhuma prova de que aquilo seja a verdade. Pode provar simplesmente que a maioria está alienada.

Essa relação relativo/absoluto tem esse caráter: o conhecimento, em cada momento histórico, é delimitado, mas ele abre para o conhecimento integral que é o absoluto. Absoluto não é imóvel, eterno, inamovível, perene. Absoluto é totalidade.

Esta última palavra me abre para um novo subcapítulo da exposição. A noção, o conceito fundamental no marxismo, no plano metodológico, da totalidade. O conceito de totalidade é absolutamente decisivo. Em última análise, o método dialético é a pretensão de reproduzir na cabeça a totalidade do objeto inquirido. E, do ponto de vista da dialética, só a totalidade contém e revela a verdade. Fora da totalidade não há verdade. Um exemplo: se eu pego minha orelha, corto fora e ponho em cima da mesa, essa orelha em cima da mesa já não é mais orelha. Porque ela se define como orelha enquanto está numa posição dentro do todo que lhe permite ser a especificidade do seu elemento peculiar. A orelha recortada e colocada na mesa, ela não ouve mais, ela perdeu a sua essência.

A totalidade é um todo, porém um todo ordenado. Mas, seu eu pego esse mesmo cão, antes de tê-lo retalhado, e o acompanho desde o seu nascimento até à sua morte, eu hei de notar claramente que de início ele é um cãozinho, que se desenvolve, muda permanentemente. Entre o cãozinho e o cão já velho que morre há uma só totalidade, mas eu tenho aspectos diferentes em cada momento. Como fica isso? Portanto, a totalidade é um todo ordenado em processo. O todo não é apenas um conjunto estável, ao contrário, dialeticamente pensando, não existe nada estável. O todo está em processo, o todo é, por excelência, esse conjunto de mutações. Assim, eu pergunto: aquela árvore, aquela árvore é uma totalidade? É apenas um instante da totalidade. A totalidade dessa árvore vai da semente à morte da árvore. Esse é apenas um instante empírico. Essa árvore, na imagem imediata dela é uma abstração porque é um pedaço. Eis um dos grandes erros da fenomenologia: tomar a experiência imediata fenomênica como todo o real.

De modo que a totalidade é um todo matrizado, é um todo ordenado em processo e o real tem momentos distintos de determinação. Nessa totalidade total eu posso perfeitamente distinguir totalidades momentâneas ou parciais. A totalidade desta árvore neste momento.

Eu falei de conceitos que. Se a totalidade é esse conjunto, o conhecimento é a reprodução deste conjunto. Com todas aquelas características ontológicas anteriormente anunciadas, a concepção de ciência, da dialética em Marx é ser capaz de reproduzir a totalidade na cabeça. Aquela ideia: o sujeito infinito; o objeto capturável na sua totalidade, historicamente determinada, na relação de essência e aparência, na relação de conhecimento relativo e absoluto.

Retomando por onde havíamos deixado o percurso do raciocínio. Que era precisamente a ideia de constelação. Que era para abrir um momento decisivo no método dialético que são as determinações recíprocas. A ideia de constelação conceitual ganha na dialética de Marx uma importância capital. A ponto de não ser possível a compreensão de um rol de conceitos como é feito noutras tendências. Aliás, muitos cursos de introdução iniciam com um longo capítulo sobre as noções e conceitos fundamentais de. Isso é absolutamente impossível em termos de dialética. Uma listagem de conceitos metodológicos, apresentados um a um, isoladamente, levaria a uma visão inteiramente paralisante da própria concepção.

Sempre a necessidade está, expondo no mínimo dois ou três conceitos ao mesmo tempo, o que não quer dizer que não se possa deter-se com o máximo de rigor sobre cada conceito, mas esse deter-se sobre cada conceito implica falar simultaneamente de mais algum. Sempre a idéia na arquitetura conceitual da constelação. Porque na medida em que se toma a sério a noção de totalidade, onde uma ordenação do conjunto das partes é que preside a instalação efetiva do significado, isto é, o sentido real da coisa vem pelo conjunto interligado.

O conceito isolado é uma coisa totalmente abstrata no pior sentido do termo, no sentido de parte unilateralizante, de parte que faz o peso cair para um dos lados, com um peso indevido. Mesmo a ideia de modo de produção, a gente está compreendendo no modo de produção ao mesmo tempo um conjunto muito grande constelar de conceitos. Se não o compreendo assim ele vira uma forma. Ele vira exatamente o que Marx não quer que vire, uma mera abstração.

Alguém poderia perguntar: mas, então, o marxismo na opera com abstrações? Sim, opera. A grande dificuldade do método dialético, o elemento da prova, é precisamente o seguinte: cada conceito pode ser usado em níveis distintos. Que níveis são esses? São os níveis, são os planos de concreção. Que plano de concreção é esse? É o espaço entre dois polos. Entre o abstrato abstrato e o concreto concreto. Entre a abstratividade e a concreticidade. A concreticidade como objeto real, como efetividade da existência, a coisa existente efetivamente na realidade e o abstrato, isto é, algo que diz respeito a isso, mas diz respeito de forma genérica, conseqüentemente eliminadora de um conjunto de suas partes.

Entre esses dois polos da máxima concretude possível e da abstratividade possível, que caminhando entre as duas, todos os instantes em que concreto e abstrato estão misturados. Mas, cada um desses infinitos pontos é uma condensação onde o elemento abstrato e o elemento concreto estão simultaneamente presentes. Isto é, cada um destes pontos corresponde a dois níveis: a determinação muito rigorosa em que nível se fala é muito decisiva no método dialético. Se eu estou falando no nível abstrato, se eu estou falando no nível concreto.

Com as constelações acontece o mesmo. Eu posso ter a constelação na concretude máxima e posso ter a constelação no polo da máxima abstratividade. Entre esses dois polos, a própria constelação, que não é apenas objeto, ou uma ideia que pode estar nos polos, mas o conjunto das ideias é que pode estar neste contínuo puntiforme. A grande dificuldade é nunca perder de vista, por quem faz a investigação, em que níveis ele está pondo a constelação. Mais ainda: os diferentes conceitos de uma constelação não precisam estar todos ao mesmo tempo no mesmo nível. Alguns dos conceitos entram com maior concreticidade, outros entram com maior abstratividade.

A gente está muito agarrado a ter noções rigidamente firmadas, como formas vazias, onde atira os dados empíricos. No método dialético isso tudo tem que ser esquecido, porque concreto e abstrato, dado empírico e caminho para a concreção, permeado pela abstratividade que está pulsando em todos os sentidos. Discernir precisamente os níveis é controlar a “aplicabilidade” do método. Por que isto ocorre? Por que é uma exigência do método? Não. Porque a realidade procede deste modo. As constelações conceituais chegam a ganhar esta forma porque a realidade se comporta desta forma.

Exemplo: a forma mais concreta do trabalho só surgiu no capitalismo. Mas, um conceito em nível abstrato muito mais amplo do que o próprio trabalho concreto surgiu no escravismo. O fenômeno real trabalho só ganha a sua plenitude no capitalismo. O trabalho nos modos de produção anteriores é, em relação à forma trabalho concreta do capitalismo, uma forma mais primária, portanto, pode-se dizer mais abstrata, menos complexa e menos rica. Mas, o conceito que Aristóteles tinha do trabalho era mais amplo do que a concretude do trabalho no seu tempo.

A exigência lógica ao tratar o conceito de trabalho imediatamente o obrigou a perceber certos componentes universais que não estavam ali, mas só vão aparecer no capitalismo. Quando ele distinguiu trabalho efetivo e o momento de apreensão mental. A consciência do trabalho e o trabalho. O trabalho compreende sempre dois momentos: consciência e trabalho efetivo. Está presente na dimensão teleológica do trabalho o elemento consciência. A consciência, o por teleológico no escravismo é muito rarefeito. O escravo não tem teleologia nenhuma. Mas, Aristóteles percebeu que o trabalho tem teleologia. Ele percebe que o trabalho não é mera atividade física. Que a atividade física compreende um momento de consciência. Assim, o trabalho é muito mais abstrato no escravismo e muito mais concreto no capitalismo. Como realidade, em nível de conceito, a noção trabalho, em Aristóteles, é muito mais ampla que o próprio trabalho que ele conseguiu ver. Por exigência do próprio conceito. O grão de teleologia que existe implica trabalhar a teleologia.

O abstrato é parte, é algo segmentado, é algo que perdeu a diferenciação. Nesse caso, o trabalho concreto do escravismo é mais incipiente e mais abstrato. Mas, o verdadeiro trabalho abstrato só aparece no capitalismo, que expressa o verdadeiro trabalho concreto. Trabalho abstrato do capitalismo é um concreto abstrato da realidade. Exemplo: eu tenho uma fábrica num setor da economia, que produz mercadorias do tipo metalurgia, outro setor que produz artefatos de madeira, um terceiro, roupas, um quarto, alimentos, etc. Para que possa haver a troca de parafuso por arroz, de arroz por calça, de calça por remédio, deve haver alguma coisa que igualize tudo isso. A igualdade é o trabalho abstrato. Que quer dizer isso? Não interessa mais se eu mexo com madeira, com ferro ou com tecido. O que interessa agora, para poder medir essa igualdade, é saber qual o tempo social consumido para fazer qualquer dessas atividades. O trabalhador da fábrica não trabalha mais concretamente. E sob nenhum aspecto. Em primeiro lugar, ele trabalha pedaços. Já é uma abstração. O que importa não é o que ele faz, mas quanto tempo ele consome para fazer aquilo. Consequentemente, o trabalho tem como essência a abstração do trabalho concreto e a retenção do tempo social consumido. Isto é que é o valor. O ser do trabalho concreto é o trabalho abstrato.

Toda esta questão foi posta relativamente ao problema das abstrações que estão sempre permeando as constelações. O que é praticamente interessante de reter: quando se constitui o trabalho orientado pelo método dialético, em primeiro lugar busca-se a totalidade. A totalidade garrafa, como forma de conhecimento é uma constelação conceitual. Essa totalidade conceitual vai ficar em níveis distintos de abstração e concreção. Quando eu disse: a essência da garrafa é ser mercadoria, esse é um instante de determinação abstrata. É a essência abstrata dela. Sem o que o restante não dá para ser devidamente amarrado. Por sinal, o copo também é mercadoria, o cigarro também. Se eu ficar só na determinação mercadoria, todos esses objetos viram um só. É que a chave abstrata aqui me permite, na sequência, fazer a determinação concreta. A determinação concreta não significa superar a noção de mercadoria, mas concretá-la. Eu não vou mais perder de vista a noção de mercadoria. Por que ela imediatamente me dá o que? O fato de este objeto não ser um objeto natural, mas um objeto histórico. Se é um objeto histórico, ela me dá o conjunto de operações necessárias para chegar à mercadoria garrafa, a esta mesa. Significa um ciclo produtivo, um ciclo distributivo, um ciclo de aquisição. A determinação concreta disso implica trazer à tona todas as formas de concreção. Agora, a concreção absoluta é desnecessária cientificamente. A concreção absoluta implicaria tomar todos os detalhes, mesmo ínfimos, e integrá-los na teoria construída. Porém, isto não é necessário, na medida em que graus ainda não tão concretos já me traduzem toda a concreção necessária para a compreensão. Então, eu me limito àquele instante. Como é que eu sei que o limite chegou? É quando a reconstrução conceitual ganhou um corpo de identidade concreta, que tem consciência de certos buracos abstratos, mas sabe que o preenchimento destes buracos abstratos já não altera o conjunto. Como eu sei isto? Nunca antes de fazê-lo.

Não há um requisito formal, na dialética, para dizer você chega até tal ponto, senão nós cairíamos novamente no método formalizante. A completude formal. Como a completude não é formal, quem rege a completude é o próprio objeto.

Alguém dirá: mas isso é inteiramente incontrolável! Absolutamente. É rigorosamente controlável. É muito mais controlável do que a forma, porque a forma é um atendimento artificial, ao passo que o atendimento concreto deriva de estar permanentemente revendo o suposto da própria concreção. Isto é, o método, em cada instante, está sendo revisto. A prova não nasce formalmente de fora, a prova se põe pela constituição concreta. A prova não me vem como alguma coisa que eu tenho fora do meu trabalho e seu eu chegar a este padrão eu concluí. A prova me vem pelo próprio texto constituído. É quando o texto ganhou uma identidade de reprodução que eu posso parar.

Agora, eu posso me enganar. Onde, então, a outra prova ontológica se porá? Ela se porá na famosa palavra práxis. Mas, não na forma em que ela é comumente utilizada. Vulgarmente, a palavra práxis é entendida como a prática imediata empírica. Resultado: se eu tenho uma teoria, se eu monto uma teoria e testo pela prática, se empiricamente ela dá resultados positivos, ela é verdadeira. Se empiricamente, ela dá resultados negativos, ela é falsa. Isto não é dialética, é pragmatismo. Assim se eu tenho uma teoria sobre um conjunto social num momento eleitoral, se eu ganho as eleições eu tinha lido a sociedade direito, se eu perco, eu tinha lido errado. Isto é falso, dialeticamente. Eu posso estar certo perdendo as eleições e posso estar errado ganhando.

A práxis é uma prova, mas não concebida como empiricidade, mas como ontologia. Isto é, não é funcionalmente concebida, como resultados positivos ou negativos, mas é a compreensão dos resultados da prática pela lógica dos seres em movimento. Prova ontológica (não no sentido medieval do termo), significa a compreensão, pela interioridade do objeto, daquilo que lhe ocorreu. Perder ou ganhar uma eleição em si não prova nem desmente uma teoria.A própria teorização, ontologicamente posta, é tomada como prova.

Seria mais interessante, mais compreensível se em vez de prova se usasse demonstração. Como a corrente positivista tem no dado empírico a prova, ela transforma problema em prova, porque o dado empírico é sempre problema, é algo que tem que ser explicado, ela mistifica e diz: a prova está pelo dado empírico, ela não demonstra, mas aponta algo externo à teoria como prova.

A demonstração dialética é de outro tipo. Ela não se satisfaz em recolher pura e simplesmente algumas evidências empíricas, externas à construção teórica. Exemplo: ela toma uma teoria, que não é algo entendido como hipótese (na dialética a teoria não é hipótese de explicação, ela subentende que é a reprodução conceitual do real) através dela, a realidade terá que se comportar provavelmente de um jeito ou de outro. Seja qual for o comportamento desta realidade, se a reprodução deste segundo comportamento estiver em articulação adequada com aquilo que a primeira teoria reproduziu do movimento, está provado. Quer dizer que eu tenho a ideia de que a luta de classes é o motor da história. E tenho a atualidade, por exemplo, os Estados Unidos. Nessa luta de classes, para Marx, o agente transformador é o proletariado. Eu pego na empiricidade, nos EUA, e a classe operária é uma das camadas menos inquietas e mais conformistas. Se eu tomar a prova empírica para este caso, o marxismo é falso. Porque o país mais altamente desenvolvido do ponto de vista capitalista, com o seu proletariado mais desenvolvido e organizado, é o menos revolucionário. Portanto, a teoria de Marx é falsa.

Mas, nenhum marxista aceita que a classe operária não seja a classe revolucionária. Só que a maioria não sabe o que dizer com relação à classe operária norte-americana. Porque ela passou a pensar também a prova como empírica. Quando, para Marx ela jamais foi. Aliás, nos Manuscritos econômico-filosóficos, ele começa uma crítica à economia política. Então, lá ele diz que a Economia Política parte da propriedade privada, mas não nos diz nada a respeito da sua constituição. Portanto, a Economia Política nada nos explica a respeito da propriedade privada. Eis aí um lance metodológico-ontológico. Não adianta partir do dado empírico e provar pelo dado empírico. Eu tenho que explicar, que demonstrar. A prova é demonstração.

Então, a classe operária americana. Se eu tomar empiricamente, eu estou diante de uma factualidade que me recusa o caráter revolucionário dessa classe. Ora, para obter uma demonstração eu preciso explicar esta factualidade. Então, se o método dialético tem a capacidade de me permitir explicar porque a classe operária norte-americana tem esse comportamento durante esse período, não só eu entendo porque ela tem, mas continuo a afirmar o caráter revolucionário caso eu possa demonstrar que esse estágio atual é resultado de uma integração ontológica que não é permanente, mas é circunstancial e nesse instante leva a um amordaçamento da consciência desta classe e leva a uma situação de equilíbrio material onde ela não tem como nem porque reagir. Então a prova não está pela derivação do seu comportamento imediato, mas pela sua essencialidade ontológica. Para dar o remate. Não é porque a classe operária norte-americana, hoje, não levanta a bandeira revolucionária que esteja resolvida a contradição capital-trabalho.

Eu vou finalizar agora tentando mostrar como se faz essa concreção. Para que não se pense que o método dialético é apenas uma atitude. É um procedimento exatamente rigoroso e exatamente preciso porque ele não é formal. Exatamente porque ele não tem um conjunto de regras, um conjunto de procedimentos. Mas, ele tem isto sim, um conjunto de referenciais ontológicos. Eu vou tentar articular uma súmula dos referenciais ontológicos e num ponto tentar trabalhar no plano lógico a exigência de concreção.

Uma evidência espero ter constituído: que o método, na dialética de Marx, está rigorosamente colado à ontologia. Não existe método sem ontologia. Lukács dizia que qualquer questão séria de metodologia desemboca em ontologia. Todas as questões de metodologia que não desembocam em ontologia são baboseira. O que há de sério, no método, está na sua essencialidade ontológica. Resultado: o método dialético dá um conjunto de equipamentos operacionais que são os instantes de abstratividade ontológica que norteiam os passos de modo decisivo. Primeiro equipamento é um conjunto crescente, nunca estabilizado, de parâmetros ontológicos, que, pela sua abstratividade, configura itinerários metodológicos.

O conjunto de noções abstratas, nunca formais. O que é uma abstração nesse sentido? É uma parte de um conteúdo seccionado de outros. Uma abstração é um seccionamento conteudístico e genérico. É um conteúdo genérico. Não é uma forma vazia, como a forma matemática. O método não trabalha com a noção de forma vazia, forma matemática, mas com nódulos genéricos conteudísticos, abstração, resumo genérico de alguma coisa.

Primeiro, o ser é uma totalidade, ordenada, em processo. Qualquer objeto, para que possa ser estudado, tem que ser tomado na sua integridade. Quer dizer, então, que só posso estudar o mundo todo de uma vez? Não. Eu posso recortar no mundo elementos que, mantidos na sua integralidade, sejam possíveis de concreção. Se só na totalidade é possível a descoberta da lógica interior que a rege, um recorte inadequado mutila a lógica interna e impossibilita a descoberta da lógica interna que aquilo possui. A ontologia dá os lineamentos dos objetos. A ontologia seria, pelo menos no seu nível abstrato, os lineamentos mais gerais do ser. Então, o ser social. O ser social é uma forma da materialidade, é matrizado pelas formas de produção e reprodução material da existência. Estas formas são a carapaça, o solo matrizador desse todo, que não é constituído apenas pela base material, mas gera outras especificidades. O corpo humano não é apenas a coluna vertebral, mas também braços e pernas que são derivados dessa coluna, ou melhor, só têm sentido em relação a esta coluna.

Nesses modos de produção, as categorias sociais se recortam e entre elas há sempre dois ramos antagônicos. O conflito entre elas gera a história desse modo de produção, gera, por determinação não linear e não mecanicista, as ideias, gera a consciência. Ora, se eu vou estudar uma ideologia, essa parametração ontológica me faz localizar a ideologia obrigatoriamente nesse contexto. De modo que eu tenho que descobrir a gênese daquele sistema de ideias, a função social daquele grupo de ideias e tenho que obrigatoriamente fazer aquilo que nós chamamos o plano filosófico, que é a análise imanente dessas ideias. É o conjugado dessas três coisas que permite entender a ideologia. Se eu arranco a ideologia fora desse contexto, eu passo a ter um sistema de ideias incompreensível. Nem na sua estrutura lógica, porque esta depende do modo de produção. Não é ter a matriz social, mas ter a matriz ontológica do ser social. A linguagem não é uma linguagem fora do homem. A linguagem é uma linguagem no homem e o homem só é homem na sociedade. Não existe linguagem pura, só existe linguagem humana. Isto não é um pressuposto tranquilo. Tranquilo é que a linguagem está num contexto social. Mas, que a linguagem seja produto ontológico do social, já é diferente. Qualquer filósofo não marxista admitiria hoje que a economia é um fator. Mas, para o marxista, a economia não é fator, é matriz. Não é nem causa, é matriz. A política é a forma do econômico ao nível do poder de Estado. Não quer dizer que haja uma derivação como uma corrente linear. A linguagem. O que é a linguagem? A linguagem é a consciência prática. É a consciência que se comunica, mas não no sentido de passar informações, mas passa informações porque propõe ações ao outro.

Esses elementos norteadores, que demarcam o caminho, são fundamentos filosóficos da investigação científica do objeto. Se a ciência busca alguma coisa, ela tem que saber o que busca. É o preconceito positivista que supõe um investigador que desconhece tudo em relação ao objeto, ser capaz de investigar o objeto. Se ele desconhece tudo do objeto, nem este objeto existe para ele. O positivismo configura uma mistificação grosseira de supor um investigador dentro da sala escura, procurando um gato escuro que lá não está. Se eu não sei algo do objeto, não sei o que procurar. Então, o que eu sei de início? Eu sei uma abstração ontológica. Mínima que seja. Essa abstração ontológica, configurada por todos os elementos mais ou menos aflorados, me permite buscar a concreção. A concreção seria o momento de ciência deste saber que começou ao nível filosófico-ontológico.

Para a dialética, não existe diferença entre ciência e filosofia. Ambas são apenas momentos distintos de um mesmo saber. O saber das coisas. Então, agarrar as coisas subentenderia a existência de um vai-e-vem entre o momento filosófico e o momento científico – o filosófico como mais abstrato e o científico como mais concreto – ainda que as coisas possam ter momentos mais abstratos do concreto científico e momentos mais concretos do abstrato filosófico. Esta malha que vai se formando, busca desse perfil, desse desenho preliminar ontológico, percorrer o caminho de concreção e chegar ao objeto efetivamente concreto. Isto é, transformar a ontologia abstrata em ontologia concreta. A ontologia concreta, se pensada em termos de uma ciência autônoma, “independente”, nós temos o produto científico.

Sintetizar todos os dados, integrar sob todos os ângulos, por aquilo que eu chamei de determinações recíprocas e por constituição constelar conceitual, eu chego ao concreto.

Acontecem várias coisas. Duas mais importantes: uma, eu concretei; outra, a abstração ontológica inicial agora pode se converter num perfil ontológico mais abstrato e mais concreto. Portanto, quando eu faço ciência eu não abandono a filosofia. E a retomada, no plano ontológico, permite engordar esse ontológico, significa torná-lo mais complexo, mais rico, mais concreto, e ele passa servir para uma segunda investigação de forma mais profunda. Mais do que isso. Em última análise, aquela idéia de aproximação do conhecimento que eu coloquei tem aqui um dos seus momentos importantes. Eu parto de uma abstração ontológica, chego ao produto científico concreto. Mas, com esse produto científico eu realimento a minha ontologia. Então, eu posso agora fazer novamente o percurso e melhorar a minha ciência. Aí, quando eu cheguei, pela segunda vez, ao final da ciência, eu posso, pela terceira vez, melhorar a ontologia. Eu posso fazer de novo o caminho da ciência. De forma que cada um desses círculos é um círculo de maior amplitude concreta. Hegel falava que a ciência é um círculo feito de círculos. Nesse sentido, estamos aqui numa plataforma hegeliana. Para passar para o marxismo, é preciso substituir círculos por espirais. Então, eu digo: uma espiral de espirais. Onde se vai elevando o nível. E a elevação do nível não está na fixação de generalidades, mas na retratação concreta das singularidades. Mas, para que isso possa ser feito, as tuas generalidades são generalidades agora que abandonam o terreno pura e simplesmente da generalidade abstrata e são generalidade concreta.

O que é generalidade concreta? É a generalização que não contém apenas as igualdades de elementos diversos, mas contém a igualdade e as diferenças. O universal, para Hegel, e especialmente para Marx, não é aquilo que contém apenas o denominador comum de objetos do mesmo tipo, mas contém os elementos diversos. A ciência usa a abstração como mediação. A abstração não é o ponto de chegada, na dialética. É meio. É instrumento.
(Marilu: generalidade concreta é um absurdo! Ou é concreto ou é abstrato).
Isto é o preconceito lógico do positivismo. Isto está estourado desde Hegel. O universal concreto é um conceito decisivo em Hegel. Comte também fez de conta que não existia. O universal concreto é o universal que contém em si, enquanto conceito, a igualdade e a desigualdade e supõe a sua existência na realidade. Trabalho abstrato é um universal concreto.

O momento do perfil ontológico norteia os passos do andamento científico. O arcabouço ontológico me instrui sobre o que fazer no terreno científico. Primeira coisa: o recorte legítimo. Como é que eu recorto legitimamente um objeto? Se eu tomar uma laranja e recortá-la empiricamente, eu posso passar a faca de qualquer lado e de qualquer jeito. Essa talhada corta não ao nível orgânico da laranja e seu eu começo a estudar assim, eu tenho uma arbitrariedade. Qual foi a lógica que me inspirou o corte? Nenhuma. A casualidade. A coleta de dados empíricos é uma causalidade arbitrária. O que eu colho é um caos que não tem ordenação.
(Marilu: depois eu arrumo)
Eis o crime. Eu começo a ordenar pela cabeça e não pela lógica que eles tinham na realidade. Eu dou a ordem, ainda que eles estivessem numa ordem dada. A coleta de dados empíricos desinstrumentalizada ontologicamente significa arrancar manchas empíricas, factualidades de uma lógica à qual eles pertencem sem respeitar essa lógica. E depois arrumá-las.

Se eu tomo a laranja e a recorto de acordo com a lógica orgânica dela própria, aí então eu respeito o seu em si. Este passo é também o passo que esclarece como se gera a ontologia.Ora, se o método deriva da ontologia, a ontologia norteia o método. De onde vem a ontologia?

Se eu tomo a laranja e me aproximo dela já com a atitude de quem a respeita. Supondo que ela tem uma lógica dela, que não sou eu que vou dar a lógica a ela, através da minha cabeça, mas que a minha cabeça vai descobrir a lógica dela, eu já tenho uma atitude completamente diferente da do coletor de dados empíricos. Tiro a casca da laranja; tiro a película que resta; vejo que ela é formada de gomos. Em vez de dar um corte, eu separo os gomos. Eu mantive unidades, eu mantive recortes de integralidade do fruto. Abro a película de um dos gomos e descubro que lá dentro existem aqueles grânulos, que separados são unidades reais. Só nesse descascar, só nessa dissecação eu estou descobrindo as partes da sua integralidade. Eu não vou reinventar depois uma lógica, mas eu já sei que debaixo da casca há gomos, dentro dos gomos há aquelas cápsulas...

O recorte legítimo está em vários níveis. O gomo é um recorte legítimo; a cápsula é outro; a semente é outro...e o meu estudo de integralização que vai do suco que está na cápsula, passando pela cápsula, pelo gomo, pela articulação dos gomos, na junção dentro da cápsula, da casca que se fecha e solta o galho, que se prende à árvore e se liga a um tronco, que desce a uma raiz, que está num solo. A laranja na sua integralidade é esse todo. Esta é a totalidade, o que não quer dizer que eu tenha que estudá-la toda de uma vez. Posso estudar por partes se cada parte estiver referida ao conjunto, se não é uma abstração. Se eu estudo uma parte, em diferentes camadas de concreção eu fico. É legítimo, numa tese, dizer: vou ficar mais abstrato aqui e mais concreto acolá.

Na sociedade, o recorte legítimo obedece a um procedimento muito semelhante. Eu preciso partir da configuração ontológica, que me dá os lineamentos (os modos de produção, as categorias sociais...).

Seguindo, na sociedade, a questão ontológica, eu tenho a possibilidade de recortar. Recortar sempre remetendo ao todo. A primeira coisa das duas últimas que eu quero mencionar é a seguinte: os seres reais se põem na existência e para o pensamento, em três categorias de generalização. Para o pensamento e para a realidade, essas três formas são existentes, isto é, essas três categorias: singularidade, particularidade e universalidade. Não são apenas conceitos, mas são existência. São categorias da consciência e da realidade. Exemplo: cada uma das pessoas aqui presentes é uma singular da universalidade humanidade. Exemplo de particularidade: os homens de um lado, as mulheres de outro.

Na sociedade, na vida humana no seu conjunto, essas três formas, tem três formas muito importantes e o pensamento não dialético elimina uma delas. Faz uma operação de eliminação no plano lógico para poder eliminar a nível sociológico. Entre a singularidade indivíduo e a universalidade humanidade estabelece-se em geral o vácuo, isto é, entre a individualidade e a universalidade não aparece nenhuma mediação. O indivíduo é remetido à universalidade da humanidade diretamente. Contudo, em termos reais, este elemento é a mediação que liga o indivíduo à humanidade. A particularidade que é eliminada por um golpe mágico das correntes não dialéticas é a classe. A classe é, do ponto de vista histórico, a mais importante das particularidades. O indivíduo pertence à humanidade passando pela sua pertinência à classe. A lógica das ciências humanas, em geral, aboliu a lógica da particularidade precisamente para poder abolir a efetividade das classes sociais. Ou apenas preserva a particularidade como forma lógica da mediação ao estilo aristotélico onde o particular é pura e simplesmente um elo de ligação. No silogismo, o termo médio só funciona como mediação conceitual. Na dialética, a particularidade é concebida como existência real e por isso ela redunda, na consciência, numa categoria que é lógica, mas é lógica porque é real. E a concreção tem nesta particularidade toda a chave do método.

Quando eu quero designar um objeto, uma coisa qualquer (o método dialético se posta diante da coisa – aqui coisa não necessariamente entendida como pedra – a coisa social é muito diferente de uma coisa pedra, mas da coisa enquanto coisa que não está convertida ainda em objeto – eu dizia que o método dialético presta atenção a este momento e busca a conversão da coisa em objeto. O que é a coisa? É aquilo que ainda não entrou numa relação com um sujeito qualquer que a transforma em objeto. Objeto é a designação da coisa quando há um sujeito que se relaciona com ela. O em si de um objeto é a coisa. É algo que a dialética de Marx quer apanhar independentemente da relação com o sujeito cognoscente. Através do objeto ela vai buscar a coisa. Por aí estão eliminadas todas aquelas colocações bachelardianas da construção do objeto. Marx é o oposto de Bachelard. Bachelard é uma sofisticação da retomada do construto racionalista. E está naquele ramo dos positivismos. Se Bachelard quer construir o objeto, Marx quer, através do objeto, que não é construído, mas tomado, chegar à coisa. Chegar à coisa é operar a concreção.

Partindo de Hegel, que na Fenomenologia do espírito aponta isto com muito talento: a mudez da singularidade imediata. A singularidade imediata é muda. Significa: diante de uma coisa dada singularmente na sua imediaticidade essa coisa não pode ser dita nem pensada. Tente-se pensar essa garrafa sem pensar na palavra garrafa. Para dizê-lo, eu determino: esta é garrafa. O que é garrafa do ponto de vista lógico? É uma universalidade abstrata. Para designar a singularidade eu tenho que lançar mão imediatamente da universalidade. O objeto singular concreto, na sua imediaticidade, ganha voz pelo seu contrário, pela sua abstração. O objeto, uma vez atado a esse universal, passa a ser dizível, passa a ser pensável. Mas, note que para passar a ser pensável e dizível ele perdeu todo o seu conteúdo concreto. Quando, numa ciência, eu parto da visão caótica de mundo, para começar a falar desse caos de coisas eu começo a classificá-las através de abstrações. Exemplo: sociedade: o sistema de produção, o sistema de distribuição, o sistema bancário, etc. Para falar delas, eu fujo para um universo vazio de conteúdo, mas que é significante. A operação científica do positivismo se encerra aqui. Claro que a partir dessas abstrações a ciência começa a fazer o que. No positivismo? Começa a procurar articular estas palavras pelas palavras, não mais pela sua realidade. Os modelos são isso. Por isso que o marxismo não trabalha com modelos. A dialética rejeita completamente a noção de modelo. Par Marx, este momento que foi da singularidade muda à universalidade abstrata, que designa, que fala, esse é o instante preliminar classificatório ainda não científico. A ciência é um outro movimento, que partindo dessas abstrações faz o caminho de volta para reencontrar a singularidade concreta não mais na imediaticidade da sua mudez, mas na voz multifacética da sua concretude, que é a síntese de todas as determinações colhidas no percurso que vai da abstração à concreção. Como isto é feito? Isto é operado pela lógica da particularidade.

Falávamos em universal, particular, singular. O singular é uma unidade, é um ponto. O universal também é um ponto. O particular é diferente. O particular é um campo infinito. A particularidade é o instrumento da concreção. É um instrumento que vai limitando, determinando a universalidade.

Mesmo a universalidade, na medida em que ela é tomada como universalidade concreta, então ela não é mais entendida apenas como a súmula das desigualdades, mas ela é a súmula das desigualdades e das diferenças. Então, a própria universalidade contém em si a desigualdade. Vale aqui, por aproximação, lembrar de um dos princípios básicos da lógica hegeliana retomado por Marx: a identidade da identidade e da não identidade, isto é, o idêntico entre o igual e o diferente. Isto é que dá origem à noção de contradição. Elementos contrapostos, idênticos entre si e diferentes entre si. O importante é esta volta daqui para o concreto através do particular, que é um campo. Um campo significa que ele não é unitário, ele é multifacético. Ele traz para a universalidade o recorte da determinação. A universalidade é uma indeterminação. A particularidade vai conferindo determinação a algo indeterminado. O processo puntiforme opera que progressivamente a universalidade vai perdendo universalidade porque ela vai sendo determinada e ganhando concretude, exatamente porque ela está perdendo generalidade. Ao perder generalidade, ela está ganhando uma consubstanciação de determinantes da sua limitação. A síntese de componentes distintas que constituem o total neste campo de mediação e neste campo de efetivação do real faz com que o particular vá costurando os diferentes pedaços na medida certa da identidade e da não identidade, articulando o igual e o desigual a ponto de que todas as abstrações que estavam recambiadas para cá, mas não na indeterminação em que estavam aqui, mas sim na extensão, na qualidade e no tamanho que elas têm efetivamente sob o singular concreto. Resultado: os conceitos assim articulados fazem agora com que reencontrem o singular não mais mudo, mas sim falante e falante sob todas as abstrações, mas abstrações na medida certa em cada singular. Isto é a concreção.

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[0] Este texto faz parte da melhor fase do José Chasin, quando era adepto do materialismo dialético. Diferente do último Chasin: estatuto metafísico e regressão metodológica (hartmanniana).
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CHASIN, J. “Método dialético”. Transcrição das aulas ministradas durante o curso de pós-graduação em Filosofia Política, promovido pelo Dep. de Filosofia e História da Universidade Federal de Alagoas, de 25/01 a 06/02 de 1988.
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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Cartas sobre las ciencias de la natureza y las matemáticas



La publicación de fragmentos de la correspondencia de Marx-Engels sobre las Ciencias de la natureza y las matemáticas responde a una intención muy concreta: ofrecer desde ahora al lector, sin esperar al término de la publicación en curso de toda la correspondencia, una especie de dossier complementario a las obras ya publicadas: el Anti-Dühring y la Dialética de la natureza. (LEFEBVRE, Jean-Pierre, Introdução à edição francesa).
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livro em PDF
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MARX, K.; ENGELS, F. Cartas sobre las ciencias de la natureza y las matemáticas. Barcelona: Anagrama, 1975.
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sábado, 18 de agosto de 2018

ARTE REALISTA| A vida como ela é


Sinopse: A vida não é esse YouTubezinho de Galinha Pintadinha, não. A vida é um Xvideos em full screen. (Porta dos Fundos)
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A vida como ela é (farsa, BRA, 2013), de Ian SBF.
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domingo, 5 de agosto de 2018

ARTE REALISTA| Financiamento

 

Sinopse: Candidatos políticos são como pilotos de Fórmula 1, só que ao invés de macacões estampados de patrocínios eles usam terno. (Porta dos Fundos)
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Financiamento (farsa, BRA, 2014), de Ian SBF.
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sexta-feira, 3 de agosto de 2018

O papel da social-democracia na história do capitalismo

 
por Jones Manoel

Autores com substanciais diferenças entre si, como Lênin (2017), Antônio Gramsci (2007) e Rosa Luxemburgo (2011) sublinham um elemento fundamental para compreender o movimento operário europeu e seus rumos que descambaram no fim da II Internacional na Primeira Guerra Mundial: a partir de 1870 se acelera a transição do capitalismo europeu à sua fase monopolista e ganha um novo impulso a expansão colonial com a partilha do mundo.

Essa nova fase do capitalismo combinada com a expansão colonial se articula em uma conjuntura política pós-Comuna de Paris. Como resposta imediata à Comuna, na França, se processa uma brutal e sangrenta repressão ao movimento operário; já na Alemanha de Bismarck e na Áustria-Hungria, “preocupados com a possibilidade de sublevações generalizadas das classes trabalhadoras, buscam promover condições para uma mediação entre capital e trabalho […] delineiam um ‘Estado assistencial’”[1] (COSTA, 2011, p. 55).

Evidentemente, esse processo não foi teleológico e totalmente compreendido pelas classes dominantes, seus intelectuais e dirigentes políticos na época. Muitos representantes da burguesia viam as concessões ao movimento operário e sua entrada no parlamento como o canto dos cisnes do capitalismo; outros, porém, buscaram articular estratégias de transformar os movimentos de contestação dos trabalhadores em apêndices da ordem, costurando pactos de conciliação de classe. Nesse enfrentamento, a questão colonial tinha papel destacado.

Rosa Luxemburgo travava uma intensa luta política para não ceder, nas batalhas por ganhos imediatos, ao militarismo e ao colonialismo do Estado alemão – mesmo tendo uma visão negativa dos movimentos de emancipação nacional das colônias e semi-colônias –; Lênin e os bolcheviques defendiam uma firme posição de autodeterminação dos povos contra qualquer forma de colonialismo e opressão nacional. Já os representantes mais lúcidos da burguesia, como Cecil Rhodes, ciente da relação orgânica entre expansão colonial e controle da questão social nos países centrais do capitalismo, colocava assim a questão:

Ontem estive no East-End londrino (bairro operário) e assisti a uma assembleia de desempregados. Ao ouvir ali os discursos exaltados cuja nota dominante era pão!, pão!, e ao refletir, no caminho da volta para casa, sobre o que tinha ouvido, convenci-me, mais do que nunca, da importância do imperialismo (…). A ideia que acalento representa a solução do problema social: para salvar os 40 milhões de habitantes no Rio Unido de uma mortífera guerra civil, nós, os políticos coloniais, devemos nos apossar de novos territórios; para eles, enviaremos o excedente da população e neles encontraremos novos mercados para os produtos das nossas fábricas e das nossas minas. O império, como sempre digo, é uma questão de estômago. Se quereis evitar a guerra civil, deveis tornar-vos imperialistas (LÊNIN, 2012, p. 112).

O debate sobre abandonar o objetivo final da luta socialista ou participar do parlamento estava atravessado por aquela que era a questão fulcral para o movimento operário entre 1870 e 1914: manter uma política internacionalista e de independência de classe em todas as lutas – através das mais diversas formas de luta, inclusive as legais – ou aproveitar a oportunidade criada pelo capitalismo monopolista para conseguir ganhos potencialmente constantes e buscar negociar posições melhores dentro da ordem por meio de apoio à “sua” burguesia monopolista.

Eduard Bernstein e a maioria do movimento social-democrata, especialmente a partir da Primeira Guerra Mundial, seguiram pelo segundo caminho – não como uma escolha livre e espontânea, mas como resultado da luta de classes, cuja consequência foi uma gigante vitória das burguesias sobre os trabalhadores. Losurdo (2006; 2015) apropriadamente chama de “socialismo imperial” essa relação entre subjugação política-ideológica dos trabalhadores ao capitalismo monopolista em troca de ganhos materiais e níveis variados de “integração política”[2]. Para não deixar dúvidas, segue a posição de Bernstein sobre o expansionismo colonial:

Legítimo o que assumiu a política imperial alemã, o assegurar em casos deste gênero [política de Guilherme II na baía de Kiautschou] o direito de codecisão (juntamente e em concorrência com as grandes potências rivais, sobre o destino da China), e exorbitando das tarefas da social-democracia a oposição de princípio às medidas que daí derivarem (…). Quando depois alguns jornais chegaram ao ponto de afirmar que o partido tem de condenar no plano dos princípios e incondicionalmente a aquisição da baía – então não posso de modo nenhum estar de acordo (BERNSTEIN apud LOSURDO, 2006, p. 29).

Lênin foi o líder operário a melhor apreender o pleno sentido, no calor da história em processo, a base econômica, social e política desse amoldamento à ordem da social-democracia. Para o autor de O Estado e a Revolução, o capitalismo monopolista criou uma espécie de aristocracia operária inteiramente pequeno-burguesa pelo seu modo de vida, altos salários (tomando como referência o salário médio dos trabalhadores europeus e de outros países) e concepção de mundo, constituindo o principal apoio da Segunda Internacional e o auxílio social da burguesia, demonstrando o vínculo entre “reformismo e chauvinismo” (LÊNIN, 2012, p. 34). A ruptura no movimento operário com a criação dos partidos comunistas, portanto, não pode ser compreendida sem dimensionar esse debate fundamental.

Para adensar ainda mais o argumento, cabe destacar que um dos critérios fundamentais de clivagem dos comunistas das demais tendências políticas dos trabalhadores foi o “apoio, não em palavras, mas, sim, em ações, a todos os movimentos de emancipação das colônias” como diz a condição oitava das vinte e uma condições de adesão à Internacional Comunista (BRAZ, 2011, p. 130)[3]. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, com o início da construção do Estado de bem-estar social, as diferenças políticas da social-democracia e do movimento comunista quanto ao colonialismo e o suporte aos movimentos revolucionários da periferia capitalista só se aprofunda: enquanto o campo socialista liderado pela URSS, a despeito de todos os problemas que se possa apresentar, foi ator político fundamental no amparo aos movimentos de emancipação nacional do terceiro-mundo[4], a social-democracia abraça completamente (com nobres exceções, como a liderança de Olof Palme na Suécia) a manutenção da ordem colonial e neocolonial pelo mundo[5].

Nesse sentido, a social-democracia, além dos dilemas estratégicos e táticos do movimento como um todo e de cada partido em sua ação nacional, continha uma contradição dilacerante que a impedia de atuar como força revolucionária consequente (contradição que também teve repercussões no movimento comunista[6]): sua capacidade de conseguir ganhos materiais e políticos imediatos para a classe trabalhadora e de gerir uma ordem democrática sem grandes convulsões sociais tinha seu fundamento na estrutura de acumulação capitalista mundial cujo papel de centro – ou metrópole – do capitalismo precisava ser assegurado. Como resume muito bem Moraes (2001, p. 15), “sem a pilhagem da imensa periferia, o poder aquisitivo e a qualidade de vida no capitalismo central seriam muito piores e consequentemente a situação social muito mais conturbada”.

Ao final da Segunda Guerra Mundial o movimento social-democrata já tinha abandonado qualquer traço de partido operário com independência de classe, enfraquecida a dimensão classista de sua identidade política e totalmente qualificado a realizar uma gestão à “esquerda” da ordem dominante (BRAZ, 2011; POULANTZAS, 1980; PRZEWORSKI, 1991). Por isso, o reformismo social-democrata nunca colocou em perspectiva política, durante o Welfare State, o confronto com o capitalismo. A leitura coutiniana, ao afirmar que o reformismo social-democrata, caso seja levado às últimas consequências, teria potencialidades anticapitalistas, não tem sustentação histórica. Senão, vejamos.

Três exemplos são suficientes para encorpar essa perspectiva. Primeiro, a política de nacionalizações efetuadas pela social-democracia no Welfare State teve um caráter essencialmente conservador. Elas incidiram, fundamentalmente, em setores da economia sem a capacidade de oferecer lucros em curto e médio prazo, atuando na transferência de valor para o setor privado da economia, garantindo, assim, preços subsidiados para os grandes monopólios e socializando os custos da reprodução social entre as classes trabalhadoras e camadas médias. A produção e apropriação da riqueza socialmente produzida permaneceram, sem qualquer sinal de ameaça, nas mãos do capital:

A despeito dessas variações, a filosofia geral da propriedade estatal é amplamente compartilhada: os socialdemocratas estão comprometidos com o livre mercado sempre que possível, e com a propriedade pública quando necessário. Caracteristicamente, as empresas estatais estão limitadas às instituições de crédito, industriais de carvão, ferro e aço, produção e distribuição de energia, transporte e comunicações. Fora desses setores, apenas as companhias ameaçadas de falência e, portanto, de redução do emprego, passam para o controle público. Os casos de envolvimento do Estado na produção e venda de bens de consumo finais são raríssimos, limitando-se, aparentemente, à indústria automobilística. O Estado dedica-se às atividades econômicas que são necessárias para a economia como um todo, e vende seus produtos e serviços principalmente a empresas privadas. Estas, por sua vez, vendem aos consumidores. Assim, o Estado não concorre com o capital privado, e fornece os insumos necessários para o funcionamento rentável da economia como um todo (PRZEWORSKI, 1991, p. 56)[7].

A teoria econômica keynesiana, fundamentação da política econômica social-democrata, propugnava ação estatal na regulação da economia, indução de “políticas de desenvolvimento” e atuação estatal na regulação do consumo e mercado de trabalho, mas com total respeito à propriedade privada dos meios de produção, mercantilização da força de trabalho e apropriação privada do excedente econômico (mais-valor).

Na política social, existem diversas construtos teóricos sobre o Estado de bem-estar social ser responsável pelo fim da desigualdade de classes e da miséria e também sobre conseguir proporcionar a total universalização do acesso à saúde, educação, moradia etc. colocações que não se sustentam a partir de uma análise mais qualificada das condições de vida da classe trabalhadora nos “30 anos dourados” do capitalismo[8].

Em 1958, na Inglaterra, 2,5 milhões de pessoas (contingente formado essencialmente por trabalhadores) não possuíam água encanada, 3 milhões não tinham banheiro em suas residências e 6,5 milhões sequer onde tomar banho (LESSA, 2013, p. 42). Em termos educacionais, segundo dados compilados por Ralph Miliband, a classe dominante e as camadas médias compunham 56% dos estudantes do ensino superior: esse índice subia para 80% nos estados mediterrâneos e na Alemanha Federal, o número de universitários oriundos das classes trabalhadoras nunca ultrapassou 6% (LESSA, 2013, p. 47). Caso seja feito um recorte analítico específico, focando nos imigrantes, minorias nacionais e trabalhadores dos setores com as remunerações mais baixas da economia, os índices são muito piores.

Evidentemente, um trabalhador médio europeu na época do Welfare State vivia melhor que um asiático, africano ou latino-americano, mas, apesar dessa afirmação inquestionável, não devemos perder de vista a filosofia intrinsecamente conservadora – que visava evitar o perigo soviético e realizar uma política social desmobilizadora que em nada afetasse a acumulação de capital – das políticas sociais estabelecidas nesse período, como deixa claro William Beveridge, autor do famoso “Relatório Beveridge”:

A linha divisória entre independência e dependência, entre o eficiente e o inimpregável deve se tornar mais clara e maior (…) [Estes, os inimpregáveis] devem se tornar os reconhecidos dependentes do Estado, afastados da livre indústria e adequadamente mantidos em instituições públicas, mas com uma completa e permanente perda de todos os direitos da cidadania, incluindo não apenas o direito ao voto, mas também as liberdades civis e a paternidade (BEVERIDGE apud, LESSA, 2013, p. 108).

A filosofia de Beveridge não foi aplicada com esse nível de radicalismo devido às lutas da classe trabalhadora, mas o seu sentido geral não foi alterado. A democratização do Estado, último aspecto que iremos discorrer no balanço sobre a social-democracia, será tratado mais sumariamente porque pretendemos, posteriormente, abordar a questão do Estado e do processo de dominação política com maiores detalhes. Cabe dizer que a despeito da vigência de vários direitos democráticos institucionalizados e parcialmente respeitados – direito ao voto, a dita liberdade sindical e de imprensa etc. – os centros estratégicos do poder, isto é, aqueles aparelhos do Estado que concentram a capacidade de formulação e execução das políticas decisivas (governo central, ministério da justiça, suprema corte, Forças Armadas, ministérios de condução econômica etc.) continuaram sob o firme controle da classe dominante.

Um excelente exemplo é o destino dos comitês de socialização que foram criados a fim de estudar medidas de socialização progressiva da economia rumo ao socialismo por vários partidos social-democratas. O comitê britânico foi breve, e o governo de Lloyd George ignorou solenemente suas reivindicações; na Alemanha, o primeiro comitê renunciou e depois foi fechado. Na Suécia, o comitê, depois de dezesseis anos de trabalho, extinguiu-se sem qualquer recomendação acatada. O balanço desses comitês é um retumbante fracasso (PRZEWORSKI, 1991).

Além disso, na Itália, o Partido Comunista foi proibido de chegar ao governo central durante décadas em decorrência de uma articulação entre a democracia cristã, a classe dominante nacional e o imperialismo estadunidense, contando para isso com mecanismos legais e ilegais de “guerra suja”[9]; na Alemanha Federal foi aprovado em 1950 o Decreto contra os rechaçados como inimigos da constituição, proibindo assim os comunistas de serem funcionários públicos e pondo na ilegalidade dez de suas organizações. Em 1956 o PC alemão é tornado ilegal[10] e em 1972 o governo socialdemocrata de Willy Brandt lança o “Decreto contra os Radicais” sujeitando a exame de lealdade à constituição qualquer candidato a cargo público[11]; na França, especialmente depois de 1954, foi montado um gigantesco sistema de tortura e vigilância interna centrados especialmente em torno da D.S.T (polícia secreta francesa), com aplicação de repressão em massa (criando o famoso “método francês” de tortura)[12].

Para concluir, não é verdade que o Welfare State garantiu melhores níveis de vida aos trabalhadores que o socialismo soviético. É evidente que o critério de análise da qualidade de vida define a conclusão a se chegar. Utilizando como fundamento de análise a quantidade e a qualidade de bens de consumo, o Welfare State era, sem dúvida, superior ao socialismo soviético, porém, considerando como critério central o acesso aos bens de consumo coletivo como saúde, educação, cultura, lazer, moradia, direitos trabalhistas[13] etc., e também que a URSS não praticava o colonialismo[14], a superioridade do país nascido da Revolução de Outubro é incontestável. Como bem pontua Lessa (2013, p. 175) “as iniciativas soviéticas voltadas aos ‘mais carentes’ são imbatíveis no confronto com qualquer dos denominados Estados de Bem-estar social. Estas realizações, em seu tempo, foram empregadas com grande sucesso na propaganda do regime soviético”.

Podemos, didaticamente, com objetivo expositivo, compreender três níveis de incidência das lutas de classes na produção material da vida: relações de produção, padrão de reprodução do capital e política econômica. Historicamente, a classe trabalhadora sob a social-democracia conseguiu atuar no nível de política econômica e em menor medida, no padrão de reprodução do capital, mas não transformou radicalmente as relações de produção. A propriedade privada dos meios de produção, a mercantilização da força de trabalho e a apropriação privada da riqueza socialmente produzida conformam o fundamento ontológico das relações de produção capitalistas; a depender da posição do país na acumulação capitalista mundial, as relações de produção podem assumir a forma de um padrão de reprodução neoliberal ou de bem-estar social, tomar uma política econômica ortodoxa ou keynesiana etc. A construção de direitos como a regulamentação da jornada de trabalho vai contra o interesse dos burgueses tomados individualmente, e a depender da conjuntura inviabiliza uma acumulação com taxas de lucros satisfatórias num determinado padrão de reprodução do capital, porém, não põe em ameaça a existência de acumulação capitalista (MASCARO, 2014).

A dialética entre “transformação” da forma e conservação do conteúdo, caso não tenha sua devida relevância observada, acaba tomando mudanças importantes como fundamentais. A resistência encarniçada que a classe dominante impõe a essas conquistas pode ser explicada através da compreensão de que os trabalhadores atuando enquanto classe na busca por essas vitórias imediatas podem transcender a lógica do capital e ameaçar as relações de produção dominantes (LUXEMBURGO, 2011). A importância da luta por direitos não está localizada, centralmente, na potencialidade anticapitalista de sua lógica, mas na capacidade política e ideológica do proletariado, por meio de seu movimento, de negar o capital e buscar superá-lo. Dessa forma, a virada político-estratégica das classes dominantes que passaram a operar a destruição do Estado de bem-estar social a partir dos anos 70 não significa a contradição irreconciliável entre os direitos, a cidadania – típicos de alguns poucos países centrais do capitalismo – e a acumulação do capital, visto que a questão primordial foi: alterar o padrão de reprodução buscando superar, por meio de uma perspectiva do capital, a crise capitalista.

Nesse ínterim, chegamos ao chamado eurocomunismo. Esse movimento dizia respeito a um conjunto de formulações teóricas e de prática política dos partidos comunistas da Itália, França e Espanha que buscaram formular conjuntamente uma alternativa à social-democracia e ao socialismo soviético – denominado comumente de stalinismo. Embora estivessem unidos nessa iniciativa, as diferenças entre esses PC’s eram bem maiores do que uma leitura superficial pode captar[15]. Centrando nos impasses e desfecho da experiência eurocomunista e abstraindo-se das gigantescas diferenças entre os PCs, podemos dizer que o eurocomunismo foi:

(…) Um conjunto de propostas que priorizava o momento histórico nacional como o terreno onde se edificaria a estratégia e sobre o qual se desenrolaria as ações políticas e as lutas concretas. O partido se inclinava para a ampliação de sua legitimidade político no conjunto da vida nacional, o que significava a expansão das alianças para além dos setores revolucionários, conformando, assim, uma estratégia política que concebia a questão eleitoral e parlamentar como momentos privilegiados – tático-políticos – para tal expansão. Ela se daria por um salto qualitativo do partido junto às massas (…) possibilitando a participação do partido na vida parlamentar e mesmo no governo, agregaria a sua estratégia elementos políticos democratizantes e reformadores da sociedade capitalista (…). As reformas passaram a ser compreendidas como momentos políticos que promoviam avanços graduais e permitiam um acúmulo de forças sociais, necessários à construção do processo revolucionário. A própria ideia de revolução ganhava com o eurocomunismo a noção de processualidade, o que compreendida a conquista de vitórias parciais – no parlamento, no governo, na institucionalidade burguesa – que reforçariam a possibilidade da revolução (BRAZ, 2011, p. 251 – grifos no original).

Ressurge, sob novas formas, o mesmo impasse social-democrata: o eurocomunismo, na busca meritória e indispensável por uma via nacional ao socialismo e recusando transplantes mecânicos de diretrizes soviéticas à luta política nacional, levou o enfraquecimento do internacionalismo proletário quase ao limite e para a compreensão das realidades nacionais utilizou uma perspectiva entificada que desconsiderava o papel dos países de centros consolidados como a França, ou intermediários como Espanha e Itália, na acumulação mundial do capital[16]. Além disso, apesar de suas formulações teóricas serem qualitativamente melhores que as da social-democracia, as noções de uma capacidade ilimitada de democratização do Estado, transformação via processos eleitorais e transição progressiva ao socialismo, também reapareceram.

Em suma, os termos centrais do debate social-democrata entre o fim do século XIX e o início da primeira guerra, como demonstrados por (PRZEWORSKI, 1991, p.19-67), ressurgem no eurocomunismo, em alguns casos com maior radicalidade e consistência teórica como no PCI, e em outros, com as mesmas debilidades tradicionais e crivado de gigantescas ambiguidades como no Partido Comunista Espanhol[17]. O eurocomunismo em sua “intenção de ruptura” com a social-democracia não conseguiu superá-la em número de votos e competividade eleitoral, a “centralidade das reformas democráticas preconizada não se converteu em luta revolucionária” (BRAZ, 2011, p. 267) e com a derrubada da União Soviética, a crise quase terminal do movimento comunista também atingiu os partidos que mais buscavam se diferenciar do PCUS: foi o fim do eurocomunismo.

A falência completa do reformismo dos PC’s eurocomunistas, embora não deslegitime sua intenção de renovar a estratégia socialista, mostra equívocos nas respostas teóricas e práticas aos problemas colocados. A despeito de todas as diferenças com a social-democracia, o eurocomunismo e as várias propostas de transição democrática ao socialismo, há algo em comum entre elas: uma particular concepção de Estado e do processo de dominação política que será, a seguir, objeto de análise.

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Notas:
[0] O seguinte escrito é parte da dissertação de mestrado do autor, defendida no programa de pós-graduação em Serviço Social da UFPE, intitulada Em busca da Revolução Brasileira: crítica à estratégia socialista na obra de Carlos Nelson Coutinho. O tema deste terceiro capítulo da dissertação é uma crítica ao conceito de “reformismo revolucionário”, de Carlos Nelson Coutinho. Na formulação dessa proposta, aspecto central da estratégia socialista coutiniana, o autor realiza um balanço histórico da experiência social-democrata e eurocomunista. Depois de descrever sua análise, realizamos o nosso balanço sobre essas duas tendências do movimento operário.
O presente texto, portanto, é uma crítica aos limites da social-democracia e do eurocomunismo compreendendo que a despeito de todas e cada uma das suas diferenças, os limites estratégicos são semelhantes e levaram aos mesmos impasses. O balanço não é exaustivo dado que não é o tema central da dissertação e do capítulo três. Nas próximas partes da dissertação, a serem publicadas no Lavrapalavra, o conjunto dos argumentos e raciocínio ficará ainda mais nítido.
[1] “Em novembro de 1872 […] tem lugar uma ampla reunião de delegados dos governos da Alemanha e da Áustria-Hungria para definir a luta contra a Internacional, buscar soluções ao problema social e desenvolver os rudimentos de um Estado providente, preocupados pela sorte das classes despossuídas […] Na reunião citada de novembro de 1872 são apresentadas uma série de propostas para regulamentação estatal do descanso dominical, a limitação do trabalho industrial das mulheres, a indenização por acidentes, a criação de oficinas de trabalho, a introdução de inspetores de fábrica segundo modelos ingleses, a criação de instituições educativas para trabalhadores, a reforma do sistema habitacional, a criação de seguros de enfermidade e invalidez e a instituição de tribunais de arbitragem e conciliação” (GONZÁLEZ GARCÍA apud COSTA, 2011, p. 56).
[2] Como Losurdo (2015, p. 156) bem registra, Marx e Engels já compreendiam o perigo da dialética entre expansão colonial e aburguesamento do operariado: “já em 1858, Engels não só constata amargurado que o ‘proletariado inglês se aburguesa cada vez mais’, mas acrescenta: ‘afinal, isso é de alguma forma compreensível para uma nação que explora o mundo inteiro’. Cinco anos depois, ele amplifica: ‘do proletariado inglês toda energia revolucionária é quase desaparecida e ele declara-se completamente de acordo com o domínio da burguesia’”. Continua Losurdo: “citei duas cartas de Marx, que chegam às mesmas conclusões: longe de solidarizar com o trabalhador irlandês – ele observa em 1870 -, ‘o operário inglês comum […] percebe a si mesmo como membro da nação dominante […]. Sua atitude é muito parecida à dos brancos pobres em relação aos negros nos velhos estados escravistas dos Estados Unidos”.
[3] Lênin, sobre a questão nacional e colonial, no II Congresso da IC, em 5 de julho de 1920, diz o seguinte “Das teses fundamentais acima expostas decorre que na base de toda a política da Internacional Comunista na questão nacional e colonial deve ser colocada a aproximação dos proletários e das massas trabalhadoras de todas as nações e países para a luta revolucionária comum pela derrubada dos latifundiários e da burguesia. Pois só tal aproximação garante a vitória sobre o capitalismo, sem a qual é impossível suprimir a opressão e a desigualdade nacional” (LÊNIN, 2017, p. 435).
[4] “A União Soviética e os partidos aliados a ela desempenharam um papel crucial na formação política e ideológica dos quadros do movimento [de libertação africana], tendo sido crucial em Moscou no ano de 1930, a escola de Stálin, intuindo preparar quadros marxistas. As repercussões da crise econômica que sacudiam o mundo possuíam uma natureza favorável à tarefa do movimento anticolonial […] Após ter traçado os mecanismos e as vias para colaboração com os movimentos anticolonialistas, o mundo socialista engajou-se em um programa de apoio ativo à descolonização da África, sob a forma de uma assistência material e diplomática, oferecida em conformidade com o princípio do marxismo-leninismo, segundo o qual, o mundo socialista deveria ajudar àqueles que aspirassem à descolonização […] A URSS assinou acordos com cerca de quarenta países africanos. Um das mais interessantes dimensões desta cooperação dizia respeito ao ensino e à pesquisa: formação de quadros africanos na URSS, envio de professores e pesquisadores soviéticos às universidade e centros de pesquisa africanos. Aproximadamente 30.000 africanos formaram-se no sistema soviético de ensino superior” (THIAM; MULIRA; WONDJI, 2010, p. 968-970).
[5] “Na verdade, a Internacional Socialista não se aventurava na América Latina, considerada por ela o quintal dos Estados Unidos. “Não me recordo de textos condenando a deposição de Jacobo Arbenz na Guatemala, em 1954”, afirma Antoine Blanca, na época membro da Secretaria de Relações Exteriores da Seção Francesa da Internacional Operária (Sfio). “Dez anos depois, quando pedi a palavra para denunciar a intervenção da Marinha norte-americana em Santo Domingo, Guy Mollet esbugalhou os olhos!” Sem voltar demais no tempo, lembramos que, fundado em 1933 por Salvador Allende, o Partido Socialista (PS) chileno recusou-se a se filiar à IS, criticando suas “posições conformistas no seio do sistema democrático burguês capitalista”. Já em 1959, a Revolução Cubana tinha colocado o anti-imperialismo no centro dos debates. Mas isso sem grandes consequências para a IS, que deu uma olhada interessada, mas ao mesmo tempo muito distante”. LEMOINE, Maurice, 2012, edição 54 da revista Le Monde Diplomatique.
[6] “Apesar dos esforços de Lênin, Gramsci, Mariátegui, entre outros, em formular e aplicar o quadro teórico marxista para a questão étnica, nacional e colonial, uma série de conflitos e resistências internas no movimento comunista de diversos países em adotar uma posição progressista devem ser aqui relembrados. Esta resistência em aplicar as determinações teóricas e políticas de Moscou gerou, de um lado, uma crise que terminaria com a expulsão de diversos líderes dos partidos comunistas dos países em questão; de outro lado, provocou um atraso na avaliação teórica e na atuação política sobre a questão racial nesses países. O problema se manifestava especialmente naquelas regiões em que o domínio colonial já se havia consolidado desde algum tempo. Estes eram os casos da Indonésia, definitivamente subordinada ao império colonial holandês em 1830;da Argélia, colônia francesa a partir de 1833; da Índia, possessão britânica desde1849; e dos territórios portugueses na África. De uma forma geral, a posição oficial dos PC’s nestes países era, no mínimo, contraditória. Contraditória com preceitos teóricos do marxismo, mas, sobretudo, com os princípios de integração à III Internacional Comunista. Evitava-se, nestes partidos, atacar o colonialismo, chegando mesmo a justificá-lo com o argumento de “missão civilizatória”, incluindo nesta missão o socialismo – ou seja, a independência das colônias só poderia vingar desde que liderada pelo comunismo das metrópoles” (CHADAREVIAN, 2007, p. 17-18).
[7] “O relatório também deixa claro que não deve haver retorno a modelos antigos de nacionalização que foram adotados após a Segunda Guerra Mundial. Eram indústrias estatais destinadas principalmente a modernizar a economia e fornecer indústrias básicas para subsidiar o setor capitalista. Não havia democracia nem contribuição dos trabalhadores [na direção] das empresas estatais e certamente nenhuma integração em qualquer plano mais amplo de investimento ou necessidade social. Este foi o chamado “modelo de Morrison”, batizado em homenagem ao líder trabalhista de direita Herbert Morrison, que supervisionou as nacionalizações do pós-guerra no Reino Unido” (tradução nossa) – ROBERTS, Michael. Modelos de propriedade. Acessado em 20/03/2018. Disponível em: http://www.socialisteconomist.com/2018/02/models-of-public-ownership.html?m=1
[8] Sobre as ideologias em torno do período histórico do Estado de bem-estar social, conferir a obra de Lessa (2013, p.11-28).
[9] Um exemplo da política da classe dominante na Itália: “(…) Entrava em cena do Reparto Celere, uma espécie de polícia especializada na repressão às manifestações políticas e no combate aos movimentos sociais progressistas – um aparelho coercitivo do Estado italiano dirigido com mão de ferro pelo ministro do interior, Mario Scelba, que acabou por se transformar numa instituição estruturada como uma máquina repressiva responsável pelo aniquilamento de um suposto ‘inimigo interno’” (MONDAINI, 2001, p. 111).
[10] Cabe pontuar que vários pensadores do “socialismo democrático”, incluindo Carlos Nelson Coutinho, escreveram muito para estimular a esquerda a respeitar as “regras do jogo”, mas pouca atenção dedicaram a estudar “que jogo” estava posto. Um exame detalhado dos mecanismos constitucionais para impedir a conquista do governo pelas organizações dos trabalhadores foi realizado por Domenico Losurdo em seu Democracia ou Bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal (2004). O limite da análise losurdiana é abordar especialmente o século XVIII e XIX e dedicar pouca atenção ao fenômeno contemporâneo.
[11] Informações disponíveis no site Deutsche Welle. Acessado em 20/03/2018. Disponível em: http://www.dw.com/pt-br/1950-decreto-contra-inimigos-da-constitui%C3%A7%C3%A3o/a-955333
[12] “O Estado de bem-estar social francês elevou a tortura a uma nova patamar que correspondia à nova função, a de ‘engenharia social’, para a qual ‘a subversão não é mais o problema. Destruir e inserir o medo no nativo o é” (Lazreg, 2008: 56). “Tal técnica e tal função social da tortura são até hoje conhecidas como o “método francês” e é a preferida desde a Argélia até Guantánamo, passando por Israel e as nossas ditaduras latino-americanas” (LESSA, 2013, p. 153).
[13] “Nenhuma sociedade tinha até então elevado o nível de vida e o consumo para toda a população tão rapidamente e num período de tempo tão reduzido. O emprego era garantido. A educação gratuita era acessível a todos, dos infantários às escolas secundárias (gerais, técnicas, profissionais), universidade e escolas pós-laborais. Havia um serviço de saúde gratuito para todos, com cerca de duas vezes mais médicos por pessoa do que nos Estados Unidos. Os trabalhadores sofriam acidentes ou doenças tinham assegurado e baixa médica paga. Em meados da década de 1970, os trabalhadores gozavam em média de 21, 2 dias úteis de férias [….] O Estado regulava os preços e subsidiava os custos de alimentação básica e habitação. As rendas constituíam 2% a 3% do orçamento familiar, a água e os serviços públicos apenas 4% a 5% […] Segundo a UNESCO os cidadãos soviéticos liam mais livros e viam mais filmes do que qualquer outro povo do mundo” (KEERAN, KENNY, 2008, p. 12-13).
[14] É inegável a postura imperial da política externa soviética frente ao bloco socialista, considerando-se a única líder por direito, tratando os países do Leste Europeu como sua zona de segurança; ao mesmo tempo, também consideramos inegável que a URSS não usava esses países como sua periferia econômica e muito menos os regimes nacionalistas em África e Ásia. O papel da URSS era, ao contrário, realizar a maior transferência do século XX de crédito, tecnologia e recursos financeiros. Os dados sobre a ajuda econômica da URSS a esses países podem ser encontrados em (PAULINO, 2010, p. 68-78).
[15] “A expressão eurocomunismo não nasce das fileiras do movimento comunista, mas sim das páginas de um órgão da chamada imprensa burguesa. De fato, ela aparece pela primeira vez no cenário político internacional em 26 de junho de 1975, num artigo escrito no periódico milanês Giornale Nuovo pelo jornalista Frane Barbieri, iugoslavo exilado na Itália desde o início dos anos setenta. Com o novo termo, revelava-se a preocupação em definir de forma mais precisa a crescente confluência existente entre alguns partidos comunistas da Europa Ocidental, em torno de uma série de princípios capazes de construir uma concepção de sociedade socialista apropriada aos países europeus, marcados pela existência de um capitalismo desenvolvido com uma economia de mercado razoavelmente sólida (…) Então, as elaborações particulares realizadas por estes partidos comunistas do Ocidente europeu – as quais giravam ao redor da busca independente de uma série de ‘vias nacionais’ ao socialismo – acabam por convergir para a afirmação de uma proposta de dimensões bem maiores, isto é, uma via que contemplasse uma parte significativa do continente europeu, uma ‘via europeia’ ao socialismo”. MONDAINI, Marco. Há trinta anos, o eurocomunismo. Acessado em 20/03/2018. Disponível: http://www.acessa.com/gramsci/?id=535&page=visualizar
[16] “Para Mandel, o eurocomunismo é resultante de processos históricos que fizeram parte da trajetória do movimento comunista internacional. Assenta-se em três raízes históricas que lhe emprestam identidade e o explicam: uma tendência à social-democratização, portanto, ao reformismo; uma adaptação nacional da política de coexistência pacífica; e uma forma de atualização da “estratégia de esgotamento” de Kaustky. Está última se expressava no eurocomunismo na estratégia que apregoava uma espécie de transformação gradual do capitalismo, a partir da realidade nacional das relações capitalistas. Renunciava-se aí ao internacionalismo da luta revolucionária, a partir de uma excessiva centralização das estratégias no contexto nacional, exatamente quando o capitalismo – e, portanto, as lutas de classes – aproximava-se de sua fase mais radicalmente internacionalizada, gerando formas de expansão do capital mais mundializadas” (BRAZ, 2011, p. 268 – gritos no original).
[17] “(…) Quanto ao PCE, parecia se confirmar na sua experiência concreta que a autenticidade e a propriedade da via reformista cabia, como sempre coube, à social-democracia, que em sua renovação no país conseguiu vencer em todas as frentes comum combate com os comunistas espanhóis, do movimento sindical às eleições gerais. Ademais, a mão de ferro do antissoviético e antistalinista Santiago Carrilho – secretária-geral do PCE e autor do livro Eurocomunismo e o Estado (Rio de Janeiro/São Paulo: Difel, 1978) – não permitia ao partido traduzir internamente as posições renovadas que defendia para a sociedade (BRAZ, 2011, p. 267).
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Bibliografia:

BRAZ, M. Partido e revolução – 1848-1989. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
CHADAREVIAN, P. C. Os precursores da interpretação marxista do problema racial. In São Paulo: Boitempo Editorial, Revista Crítica Marxista, n° 24, p.73-92, 2007.
COSTA, S. Ensinamentos da Comuna de Paris. In PINHEIRO, M. (org.). 140 anos da Comuna de Paris. São Paulo: Outras Expressões, 2011.
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere – Maquiavel: notas sobre o Estado e a política. Volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
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KEERAN, R.; KENNY, T. O socialismo traído: por trás do colapso da União Soviética. Lisboa: Editora Avante!, 2008.
LÊNIN, V. I. Lenin e a revolução de outubro: textos no calor da hora (1917-1923) (org.) NETTO, J. P. São Paulo: Expressão Popular, 2017.
____. Imperialismo, etapa superior do capitalismo. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
LESSA, S. Capital e Estado de bem-estar social: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013.
LOSURDO, D. Luta de classes: uma história política e filosófica. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015.
______. Liberalismo. Entre a civilização e a barbárie. São Paulo: Anita Garibaldi, 2006. LUXEMBURGO, R. Obras escolhidas volume II. São Paulo: Unesp, 2011.
MASCARO, A. L. Estado e forma-política. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.
MONDAINI, M. Do stalinismo à democracia: PalmiroTogliatti e a construção da via italiana ao socialismo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011.
PAULINO, R. Socialismo no século XX. O que deu errado? São Paulo: Letras do Brasil, 2010.
PRZEWORSKI, A. Capitalismo e social-democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
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