segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

ARTE REALISTA| O drama da humana manada



O drama da humana manada
El Efecto

É logo cedo quando o medo vem pra me lembrar
Que é dia de trabalho!
Nó na garganta o galo canta e lá vou dançar
Atrás de quê?
Salário!
Eu penso na fuga mas logo me afogo outra vez
Nesse meu calvário
Levanta, sacode a carcaça que
A dança não pode parar

Trabalha!
Dando corda nessa estúpida engrenagem
Trabalha!
Que espreme e esgota
A força que te põe de pé
Trabalha!
Aniquilando o que é humano
O que é coragem
O que há de errado? O que será? O que que é?
Trabalha!
Toda fachada esconde a mesma humilhação
Trabalha!
Terra arrasada onde se arrasta a multidão

Vem que tá na hora, não enrola, não demora
Para não ficar de fora da fila do sacrifício
O trem vai rumo ao precipício
Estamos no vagão, somos a carga
Amarga tristeza de boi
Ruminando aquilo que era
Pra ter sido e não foi
Reféns da mesma trama
O drama da humana manada
A vida é isso camarada?

Começa como dádiva
Mas logo vira dívida
Se sobrevive a dúvida
Algo segue te dizendo que você valia mais
Valia mais, valia mais, valia mais valia
Mas veja só que ironia
Ter a pressa de chegar onde não se queria
Sempre pra lá e pra cá maldito dia a dia
O espírito no fosso, a fossa
Eita vida de cão essa nossa
Malandro é o cavalo marinho que se finge de peixe
Pra não ter que puxar carroça

Não, não, não! Pera lá
Trabalha, espera
Porque quem trabalha prospera
E quem espera sempre alcança
Não desespera, depois da tempestade
Vem sempre a bonança

Trabalha, espera e confia
Pois a tua estrela ainda vai brilhar um dia
Um brinde à meritocracia

E o banquete quem serve?
Palacete quem ergue?
De quem o sangue ferve? Ferve
Caraca moleque!
Segura aí que é hora de pisar no breque!

Despedaçado, parcelado vai teu coração
Que é uma ferida aberta
Se debatendo alucinado exposto num balcão
Entre a demanda e a oferta

Quem dá mais? Tanto faz, guerra é paz
Liberdade é escravidão
E o trabalho liberta!

Sem trauma, entrega tua alma com calma
Na palma da mão do patrão

Trabalho!
Dando corda nessa estúpida engrenagem
Trabalho!
Que espreme e esgota
A força que te põe de pé
Trabalho!
Aniquilando o que é humano
O que é coragem
Há algo errado e você sabe o que que é
Trabalho!
Te corroendo por dentro essa frustração
Trabalho!
O teu demônio patrimônio do patrão
Trabalho!
Toda fachada esconde a mesma humilhação
Terra arrasada onde se arrasta a multidão
Trabalho!
E lá vou eu!
Trabalho!
Até morrer!
Trabalho!
Sente a vida escorrer pela palma da mão
Trabalho!
Já que não há remédio
Trabalho!
Ódio, nojo, tédio
Terra arrasada

Caminha por entre fantasmas
Com blocos de pedras nos ombros
Ossadas de escravos, escombros, escombros
São séculos, ciclos na insana espiral

E o peso nas costas permanece igual
Eis que, diante de ti, ergue-se a monstruosa pirâmide
Contempla, contempla, errante animal
Bem-vindo ao deserto do real!

Até quando suportar?
Sustentar essa grande mentira
Pois é, a verdade é indigesta
Quem sustenta essa festa é o suor da tua testa

Até quando suportar?
Sustentar essa grande mentira
Pois é, de tudo que eu faço
Não me sobra pedaço e ainda sigo no compasso
Pois é, de tudo que eu faço
Não me sobra pedaço e ainda sigo no compasso
Você merece
Você merece

Haja coragem!
O fogo, ele agoniza mas não morre
Aja!
Coragem!
Se a chama se organiza o que que ocorre?
Reaja!
Coragem!
O fogo, ele agoniza mas não morre não
Não morre não
Haja coragem!

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Memórias do fogo (BRA, 2018) - El Efecto.
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