Science & Society/1988
No
centro do marxismo analítico está o imperativo categórico: não haverá
explicação acima do nível da unidade individual. Assim, Elster abre o
seu
Making Sense of Marx anunciando que ele vai começar
“declarando e justificando o princípio do individualismo metodológico”. A
doutrina não faz concessões: “todos os fenômenos sociais – a sua
estrutura e mudança – são explicáveis, em princípio, de formas que
envolvem somente indivíduos – suas propriedades, seus objetivos, suas
crenças e suas ações.”
Para explicar, Elster diz, é
necessário “fornecer um mecanismo para abrir a caixa preta e mostrar os
parafusos e correias, as engrenagens e roldanas, os desejos e crenças
que geram os resultados agregados” (Elster, 1985, p. 5).
Consequentemente, o individualismo metodológico troca o nível macro pelo
micro, e rejeita uma explicação que não proceda dos indivíduos; ele
está em oposição ao coletivismo metodológico, que “assume que existem
entidades supraindividuais que são anteriores aos indivíduos na ordem
explanatória".
Contudo, como Elster sabe muito bem, as
discussões de Marx sobre “humanidade”, “capital” e, especificamente
“capital em geral”, são inconsistentes com essa doutrina do
individualismo metodológico. Citando uma das declarações de Marx sobre a
competição nos
Grundrisse, Elster comenta: “Não se poderia
desejar uma negação mais explícita do individualismo metodológico”. Mas
ele imediatamente invoca uma autoridade alternativa: John Roemer.
A
esse respeito, é importante reconhecer que Elster leu Marx atentamente,
e que não é a falta de familiaridade com as passagens importantes
(mesmo que as suas interpretações sejam bem questionáveis, às vezes), e
sim a rejeição delas como graves erros e “quase-
nonsense” que é a
base dos seus argumentos. O que é resgatado é o Marx que “faz sentido”,
o Marx que soa como um individualista metodológico.O projeto de Elster,
simplesmente, é se livrar do Marx ruim e preservar o bom – a separação
entre o
framework desorientado e o que ele vê como válido em Marx.
Os
mesmos temas podem ser encontrados no ensaio de Roemer sobre o método
do marxismo analítico. Roemer declara: "a análise marxista exige
microfundações” (Roemer, 1986a, 192). Como, ele pergunta, podemos dizer
que a entidade capital faz alguma coisa (por exemplo, divide os
trabalhadores para dominá-los) “quando, numa economia competitiva, não
existe um agente que olhe pelos interesses do capital? Quando os
marxistas argumentam dessa forma, ele diz, são culpados de “um tipo
preguiçoso de raciocínio teleológico” (p. 191). Novamente, o projeto
identificado é a necessidade de encontrar micromecanismos: “O que os
marxistas devem fornecer são explicações de mecanismos, no nível micro,
para os fenômenos que eles dizem resolver com razões teleológicas” (p.
192).
A lógica por trás dessa posição marxista
analítica pode ser vista mais claramente na resposta de Phillipe Van
Parijs à descrição da sua posição como “marxismo neoclássico”. Notando o
contraste entre “explicações através do homem racional (ou
individualistas) e estruturais (ou sistemáticas)”, Van Parijs indica que
as explicações estruturais que se referem a um imperativo estrutural
(por exemplo, uma exigência que vem “diretamente do sistema”) são
“rejeitadas sem ambiguidade pelo “marxismo neoclássico” (Van Parijs, p.
119). Por que? Porque “nenhuma explicação de B por A é aceitável, a não
ser que se especifique o mecanismo pelo qual A gera B”.
Ainda
assim, “mecanismo” tem um sentido muito específico para Van Parijs
aqui. Por exemplo, as proposições que podem ser derivadas do jogo
coletivo estruturado do capital com o trabalho assalariado falhariam
nesse teste de aceitabilidade. Isso fica claro na proposição seguinte:
“Ou, equivalentemente, nenhuma teoria explicatória é aceitável, a não
ser que ela forneça microfundações.” (como a proposição II é
equivalente à proposição I é uma coisa que Van Parijs considera tão
autoevidente que nem precisa ser mencionada!) Falta claramente a essa
discussão uma proposição crítica – uma que declare que “o único
mecanismo explicativo é com microfundações.” Esse, é claro, é o único
mecanismo pelo qual podemos ir do I para o II, e é o centro do problema.
Porque, se aceitarmos essa proposição perdida, logicamente se segue que
“o marxismo precisa de microfundações” (p. 120).
Mas
por que deveríamos aceitar a proposição de que as microfundações são o
único mecanismo que pode explicar? Tudo o que temos são asserções. Mas
onde está a aprova? Onde está a demonstração de que o “coletivismo
metodológico” não pode fornecer uma explicação válida (e, na verdade,
melhor)? Onde está a base para descrevê-lo como desorientado,
nonsense,
prática científica desastrosa (Elster, 1985, p. 4)? Vamos assumir aqui
que este ponto, tirando a sua força do convencionalismo neoclássico, é
autoevidente?
Mesmo se os marxistas analíticos forem
capazes de encontrar exemplos de argumentos funcionalistas ou
teleológicos conduzidos no nível supraindividual, isso não provaria que o
coletivismo metodológico leva, necessariamente, a argumentos
funcionalistas ou teleológicos. (Ao notar que uma explicação coletivista
metodológica “frequentemente toma a forma de uma explicação funcional”,
Elster admite que “não existe conexão lógica”) Na verdade, os próprios
Przeworski, Brenner e Elster exploram jogos coletivos nos
Ensaios de Marxismo Analítico.
Além
disso, uma explicação aceitável individualista metodológica (ou micro)
não constitui uma refutação suficiente de uma explicação de fenômenos
sociais baseada no conceito de entidades supraindividuais. O argumento
de Marx de que a competição entre os capitalistas executa as leis
internas do capital é uma rejeição do individualismo metodológico e das
microfundações – mas não da existência real dos capitais individuais e
microfenômenos. A conclusão de que somente as microfundações podem
explicar os resultados agregados, assim, exige uma prova muito mais
ambiciosa do que o marxismo analítico oferece.
No fim
das contas, é claro, a prova do pudim é comê-lo. Então, em vez de
criticar abstratamente o reducionismo cartesiano dos argumentos acima,
vamos analisar especificamente a resposta de Elster à negação explícita
do individualismo metodológico por Marx – a obra “pioneira” de Roemer
sobre exploração. Elster descreve essa peça central do marxismo
analítico como uma abordagem “que gera relações de classe e a relação de
capital a partir das trocas entre indivíduos diferentemente dotados num
quadro de competição ... O argumento esmagadoramente sólido a favor
desse procedimento é que ele permite demonstrar como teoremas o que, de
outra forma, seriam postulados sem fundamento” (Elster, 1985, p. 7). Mas
o que é errado nos assim chamados “postulados sem fundamento”?
Lembre-se que o procedimento de Marx era começar a sua análise sobre o
capitalismo com o postulado do capitalista e do trabalhador assalariado,
nos quais a relação é especificada a qual em que o trabalhador vende o
direito de propriedade sobre a sua força de trabalho, o que
necessariamente resulta em que tanto o trabalhador trabalha sob direção
do capitalista como que o trabalhador não tem direito de propriedade
sobre o produto do trabalho. Marx, em suma, começa pela especificação de
um estado particular de relações de produção.
Agora
podemos perguntar: de onde vêm esses postulados sem fundamento? E a
resposta é óbvia: da história, da vida real, do concreto real. A venda
da força de trabalho, o trabalho sob direção do capitalista e a
ausência da propriedade dos trabalhadores sobre o produto do trabalho
são as premissas históricas da discussão; e elas são levadas para a
discussão teórica sobre o capitalismo como o ponto de entrada exógeno.
Então, existe realmente um postulado teórico sem fundamento, a relação
capital/trabalho assalariado. O que também é crítico é como Marx procede
a partir dessa premissa. Ele explora a natureza da interação entre o
capitalista e os trabalhadores no jogo coletivo e gera as propriedades
dinâmicas inerentes a essa relação estruturada.
Agora
veja o que Elster disse sobre a abordagem de Roemer: Roemer vai gerar a
relação de classe a partir dos indivíduos; ele vai demonstrar a relação
capital/trabalho assalariado como um “teorema”. Uma resposta imediata
poderia ser: mas isso é um objeto teórico diferente, o que Marx toma
como ponto de partida, Roemer vê como resultado. Mesmo assim, é
importante lembrar que, na análise dialética de Marx, uma exigência
central é demonstrar que o que era uma mera premissa e pressuposto (um
postulado sem fundamento) da teoria é reproduzido dentro do sistema – ou
seja, também é um resultado. Neste ponto, tanto Marx como Roemer têm o
mesmo objeto – demonstrar a produção da relação de classe. Mas os seus
pontos de partida são diferentes: Marx começa pela observação das
relações concretas, e Roemer... por onde Roemer começa?
Vamos
deixar essa questão de lado por um momento. Vamos perguntar primeiro:
por que temos que concluir que tanto Roemer como Marx, tendo partido de
lugares diferentes, chegam no mesmo destino? Temos que concluir que a
chegada bem-sucedida de Roemer (a derivação da relação de classe a
partir de indivíduos atomísticos) prova que não tem como chegar até aí
vindo do ponto de partida de Marx? É óbvio que não. Concluir isso seria
confundir explicação com necessidade. No máximo, a chegada de Roemer vai
demonstrar o argumento de Marx de que a competição executa as leis
internas do capital – ou seja, de que muitos capitais, a forma
necessária de existência do capital, manifestam através da competição a
natureza íntima do capital. Por outro lado, se tivermos a derivação de
Roemer, precisamos da de Marx?
Mas existe uma questão
implicada aqui: Roemer realmente chega no mesmo ponto que, para Marx é
tanto premissa como resultado – as relações capitalistas de produção
historicamente dadas? Agora, vamos observar o ponto de partida de
Roemer. Elster já nos disse: "indivíduos diferentemente dotados." Mas
deixemos Roemer explicar melhor. Respondendo à crítica de Nadvi (1985),
ele indica que o seu modelo “'explicou' algum fenômenos, derivando-os de
dados logicamente anteriores”. Em GTEC [Roemer, 1982], os dados são:
propriedade diferencial dos meios de produção, preferências e
tecnologia. Tudo é dirigido por esses dados; classe e exploração são
explicados como consequências de relações de propriedades iniciais"
(Roemer, 1986b, p. 138). Vemos, não surpreendentemente, que Roemer
também parte de “dados logicamente anteriores” que não são o assunto da
sua análise (ou seja, “postulados sem fundamento”). Acontece de serem os
mesmos dados logicamente anteriores com que a economia neoclássica (em
particular a teoria neoclássica do equilíbrio geral) começa. E Roemer
propõe que, se baseando nessas mesmas premissas neoclássicas, ele
conseguiu demonstrar a existência da exploração e das classes – um caso
clássico de atingir a economia neoclássica com o seu próprio torpedo.
Vamos
pensar, então, sobre esses dados logicamente anteriores. (Esse sucesso
em particular pode ser um gole de veneno para o marxismo.) De onde eles
vêm? Roemer responde: da história. “O processo histórico que cria as
dotações iniciais de onde o meu modelo começa não é um objeto da minha
análise. Esse é um tópico para um historiador” (Roemer, 1986b, p. 138).
Assim, a história formou um grupo de indivíduos que, dadas as
preferências e tecnologias, têm diferentes dotações de propriedade. É
assim? A história nos apresentou um grupo de indivíduos atomísticos que
não têm conexões anteriores, nem interações anteriores – indivíduos
logicamentes anteriores à sociedade? Óbvio que não. Em vez disso, o que
vemos é que um analista decidiu modelar os indivíduos como se eles
estivessem inicialmente fora da sociedade, e então tivessem entrado na
sociedade para fazer trocas. O ponto de partida, então, não é a
história, e sim a história mediada por um pressuposto ideológico,
identificado por Marx já em 1843 (Marx,
A questão judaica). Agora, é
fácil entender uma operação assim quando é conduzida por um economista
neoclássico – mas, por um marxista?
Mas a resposta
instrumentalista de Roemer seria que, se o modelo funcionasse para
explicar os fenômenos desejados, então claramente o “modelo fez as
abstrações certas: ele ignorou coisas que não são cruciais para o
assunto e focou a nossa atenção corretamente” (Roemer, 1986b).
Metodologicamente, essa prática não é reprovável; Marx também faz
abstrações e coloca de lado questões que concernem aos membros do grupo
ou coalizão. Porém, muitos marxistas pensarão que a ideia de que “a
sociedade” é uma vítima apropriada para a Navalha de Occam é
problemática. Mesmo assim, em vez de debater essa questão, é mais
pertinente avaliar se o modelo conseguiu realmente o seu objetivo – se,
em suma, o modelo de Roemer faz “as abstrações certas”.