terça-feira, 25 de julho de 2017

O gradual processo de liberalização do Labour



por István Mészáros

Marcar como época do grande recuo os anos que se seguiram à implosão soviética — datação preferida por muitos intelectuais que foram de esquerda como justificativa para o fato de terem tomado sua “estrada para Damasco” — leva a descrever erroneamente as conversões pessoais e, o que é mais importante, a minimizar os colapsos institucionais. Pois não foram apenas os partidos comunistas ocidentais que àquela época se transformaram em tímidos partidos socialdemocratas da ordem estabelecida, buscando no colapso soviético a justificativa de sua dramática mudança de rota. Ao mesmo tempo, também os velhos partidos socialdemocratas dos principais países da Europa ocidental se transformaram em partidos conservadores de centro direita, tornando-se indistinguíveis dos instrumentos políticos da “revolução thatcherista”.

As conversões pessoais foram, evidentemente, parte essencial — mas apenas parte — desse processo de desvio significativo do espectro político para a direita. Por isso, não é surpreendente ver todo o Partido Trabalhista Britânico se metamorfosear no partido do “novo trabalhismo” para conseguir manter, depois de sua vitória eleitoral, todas as leis antitrabalhistas de Margareth Thatcher, apesar dos compromissos manifestos em contrário, e torná-las de fato, sob certos aspectos, ainda mais autoritárias.

Esses ponderáveis desenvolvimentos históricos não podem ser explicados apenas pelas “conversões pessoais”. Ao contrário, por vezes, as surpreendentes conversões individuais só se tornam inteligíveis quando colocadas contra o pano de fundo da tendência geral dos acontecimentos históricos. Afinal, não se deve esquecer que as primeiras medidas drásticas do monetarismo neoliberal na Grã-Bretanha foram impostas pela maior autoridade econômica do “Velho Trabalhismo”, Denis Healey, sob o regime esquerdista de faz-de-conta do primeiro ministro Harold Wilson, bem antes de o Partido Conservador Britânico conseguir abraçar inteiramente a forte liderança de direita de Margareth Thatcher. É de se notar que a vitória eleitoral dela ocorreu depois de o sucessor de Harold Wilson no cargo de primeiro-ministro, James Callaghan, ter-se dirigido a uma plateia de operários com estas palavras brutalmente francas: “o partido acabou”. Deste modo, ele indicava a determinação do Partido Trabalhista de seguir um novo curso de liquidação progressiva dos ganhos da classe operária britânica no pós-guerra. Assim, o surgimento do malfadado consenso neoliberal precedeu a vitória eleitoral dos conservadores. O subsequente abandono explícito do princípio central da constituição do Partido Trabalhista — sua cláusula quarta, o compromisso programático do trabalhismo britânico com a garantia da propriedade comum dos meios de produção — foi apenas a conclusão lógica de um processo retrógrado que havia se iniciado muito tempo antes.

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MÉSZÁROS, I. O poder da ideologia. Trad. Magda Lopes e Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 14-15.
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sexta-feira, 21 de julho de 2017

Sobre a questão judaica (1844)


Publicado em Paris no ano de 1844, no único número dos Anais Franco-Alemães, o ensaio Sobre a questão judaica explicita a diferença entre emancipação política e emancipação humana.
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livro em PDF
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MARX, K. Sobre a questão judaica. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2010.
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sexta-feira, 14 de julho de 2017

Capitalismo em tempos de uberização: do emprego ao trabalho


 
por Virgínia Fontes

Somente na sociedade capitalista os seres sociais – em sua esmagadora maioria – são convertidos genericamente em trabalhadores, isto é, em seres cuja utilidade social fundamental é valorizar o valor e cuja necessidade singular insuperável é vender sua força de trabalho. Sob quaisquer condições e atravessando todas as situações: sexo, gênero, cor, religião, educação, região ou nacionalidade. Esta relação social constitui a base do capitalismo – seres sociais que não dispõem de meios para subsistir – e é sempre reproduzida ampliadamente. Ela origina-se na expropriação massiva de terras camponesas a partir do século XV e nos “cercamentos parlamentares”, realizados no século XVIII na Inglaterra, que extinguiam a propriedade camponesa através de decretos (Wood, 2001, p. 91). Prossegue seu curso na atualidade expropriando camponeses, em todo o mundo, e reatualizando expropriações parlamentares. Gera, permanentemente, de um lado, a concentração da propriedade, pelo roubo de terras e de bens coletivos e, de outro, massas de trabalhadores que precisam vender força de trabalho[1].

A necessidade vital, de subsistência (que é sempre socialmente realizada, e não apenas singular), torna-se um imperativo maior, avassalador, apresentado como se fosse um“valor” máximo e urgente. Necessidade travestida – dramaticamente – em seu contrário, como se fosse liberdade. Marx realizou profunda crítica da Economia Política e permitiu compreender que, em todas as sociedades historicamente existentes, somente o trabalho produziu riqueza, embora ele tenha assumido formas as mais diversas (cum grano salis).

A atividade genérica do trabalho – o que permite ao ser social transformar a natureza com a qual compartilha a existência e, por esse mesmo processo, transformar-se profundamente – torna-se sob o capitalismo apenas “produção de riqueza” abstrata e forma de sujeição da grande maioria da população. O sociometabolismo – essa troca entre seres sociais na sua relação de transformação da natureza – é profundamente diverso segundo os períodos históricos. Ele depende das maneiras pelas quais, em cada período histórico, a sociedade organizava-se na produção de sua vida material e cultural. Sob o capitalismo, envolve uma verdadeira ruptura,
um “racha irreparável” dentro da sociedade capitalista no metabolismo entre a humanidade e a Terra – “um metabolismo prescrito pelas leis naturais da própria vida” – exigindo sua “restauração sistemática como uma lei reguladora da produção social”. Na industrialização da agricultura, sugeriu ele [Marx], a verdadeira natureza da “produção capitalista” foi revelada como sendo a de que “só se desenvolve minando simultaneamente as fontes originais de toda a riqueza – o solo e o trabalhador” (Foster, 2013, s. p.).
Quanto mais se expande o capitalismo, mais o trabalho assume múltiplas configurações, recobertas por contraditórias aparências, disseminadas, enfatizadas pela propaganda e pela atuação empresarial e estatal. Duas aparências assumem a frente na atualidade: o trabalho reduzir-se-ia a emprego, e seria superável, eliminável da vida social.

Sob o capital, o traço constitutivo mais forte do trabalho, a capacidade criativa, torna-se secundário para os que exercem a própria atividade (alienação[2]). Para a grande maioria, o trabalho reduz-se à necessidade imperativa de homens e mulheres de garantir sua subsistência no mercado. Da relação social entre trabalho e capital e da atividade criativa saltamos para a relação jurídica “emprego”, forma ainda generalizada pelo capitalismo, mas em vias de transformação, na qual homens e mulheres estão totalmente disponíveis, durante a maior parte do tempo, aos seus empregadores, para realizar as tarefas (“trabalho”) que lhes forem designadas[3]. A base social dessa necessidade escapa ao ser singular, e o trabalho somente lhe aparece como uma vida ritmada pelo “contrato de trabalho” que assegura condições sociais de existência, através do salário. O trabalho (a atividade) é louvado e reafirmado na educação escolar, na educação profissional, nas empresas e na propaganda, onde se procura extrair uma vocação, um impulso interno a cada ser singular que o justifique e conforte na tarefa que deverá cumprir. Também é louvado como emprego, enquanto trampolim para o sucesso e valorizado positivamente como expressão da própria subjetividade. Tal valoração positiva é socialmente confirmada somente se o trabalho converte-se em “emprego”, em forma de venda da força de trabalho assegurada por um contrato. No século XIX, Marx já assinalava a tendência a uma opacidade ainda maior das relações entre capital e trabalho através do pagamento de salários por “peças”, quando a remuneração do trabalhador depende não da jornada contratada, mas de sua produção[4].

Desde o século XIX, enormes lutas sociais impuseram regras e limites legais ao patronato, de tal forma que contratos de trabalho limitaram (sem eliminá-las) as formas de pagamento “por peças”, e associaram-se a uma grande variedade de direitos (férias, salário anual adicional, aposentadorias, licença saúde etc.), para além de conquistas na educação e na saúde públicas, por exemplo. Evidente- mente, o desemprego é a ameaça maior para a população privada das condições de existência. Ele continua sendo a expressão mais clara do despotismo do capital, maneira de disciplinar enormes massas de seres sociais, e deriva de dois processos principais: a permanência de expropriações, produzindo mais seres necessitados de vender força de trabalho em concorrência com os “empregados”, e a introdução de maquinaria e tecnologia, que dispensa força de trabalho.

A coexistência de grandes massas de trabalhadores em espaços comuns, subordinados à mesma empresa (ao mesmo “patrão”) traz enorme tensão para o capital. Essa massa reconhecia-se concretamente nos seus hábitos de vida, seus locais de moradia, na subordinação comum de um cotidiano compartilhado ao longo de anos de vida. Criava-se uma aparência de correspondência entre trabalho (a atividade criativa), emprego (a forma concreta da sujeição do trabalhador ao capital) e vida (sociabilidade). Isso era mais visível e intenso nos empregos fabris. Essa contradição intrínseca da vida capitalista (socialização dos processos produtivos oposta à concentração da propriedade dos resultados da atividade coletiva) tornava também evidente a sujeição coletiva e contribuiu para a criação de sindicatos e de partidos de extração operária. As estruturas de controle para bloquear reivindicações e rebeldias estavam ancoradas, em primeiro lugar, diretamente no próprio patronato (capatazes, controle dos poros de tempo nas funções exercidas etc.), que contava com o apoio policial (estatal) para as situações que extrapolassem os muros das empresas. E elas eram frequentes.

Começamos a ver onde se lastreia a aparência de superabilidade – ou a noção de que o trabalho não seria algo de intrinsecamente significativo para o ser social e, em especial, para o capital. Essa noção tem múltiplas matrizes, que tendem a aparecer superpostas e imbricadas. Não poderemos apresentar todos os aspectos, mas vale mencionar alguns deles. Uma tendência fortíssima é o deslocamento contínuo, imposto e estimulado pelo patronato, dos custos de contenção das contradições – e lutas – dos trabalhadores para o âmbito do Estado. Frente à ameaça (real ou suposta) de revoluções dos trabalhadores, o Estado as- sumiu, nos países centrais, crescente parcela do valor da reprodução dessa força de trabalho, através de políticas públicas de saúde, educação, moradia, saneamento etc. (Cf. Brunhoff, 1985). Em paralelo, prosseguiam as expropriações diretas (da terra) em escala internacional, aumentando a massa de trabalhadores no âmbito internacional, com efeitos mais claros a partir dos anos 1980. Na década seguinte, ainda acrescentar-se-ão as populações expropriadas de direitos dos países anteriormente integrantes do chamado bloco socialista. Intensifica-se a concorrência entre os trabalhadores e ela será estimulada e aproveitada pelo empresariado, com expansão extrema das relações capitalistas no mundo. Evidentemente, o aumento da massa de trabalhadores envolveu tanto uma redução do valor da força de trabalho, quanto do seu poder de barganha, que se exerce quase que unicamente no âmbito nacional.

Os Estados capitalistas realizaram um duplo movimento: reduziram sua intervenção na reprodução da força de trabalho empregada, ampliando a contenção da massa crescente de trabalhadores desempregados, preparando-os para a subordinação direta ao capital. Isso envolve assumir, de maneira mais incisiva, processos educativos elaborados pelo patronato, como o empreendedorismo e, sobretudo, apoiar resolutamente o empresariado no disciplinamento de uma força de trabalho para a qual o desemprego tornou-se condição normal (e não apenas mais ameaça disciplinadora). O crescimento da violência estatal é, por- tanto, um aspecto dos mais importantes, e merece estudos detalhados[5]. Um segundo aspecto é a redução dos recursos disponíveis para o Estado, de um lado pela redução de suas fontes de recursos, sejam aquelas ligadas ao assalariamento, seja pela evasão fiscal empresarial sob múltiplos formatos; de outro, pelo aumento do apetite inexorável do capital captando recursos públicos para sua expansão internacional e/ou em momentos de crise. O predomínio dos Estados Unidos na formatação dessas novas práticas não é desprezível. Mas não deve fazer esquecer o papel das classes dominantes dos demais países que aderiram vivamente a elas por também partilharem interesses internacionais, pelos efeitos “benéficos” que extraem desse disciplinamento dos trabalhadores ou ainda pelo uso dos recursos públicos para expandirem-se ou amortecer crises.

Vale a pena explorar alguns elementos da relação entre trabalho e emprego. Em primeiro lugar, a profunda contradição entre o que é apresentado socialmente como “liberdade” do ser social, a sua vocação[6], em contraste com sua sujeição cotidiana aos empregadores. Essa contradição é vivida no cotidiano dos empregados, tensos pelo temor do desemprego, pelo bloqueio que o emprego impõe aos inúmeros outros afazeres e possibilidades da existência (o acompanhamento dos filhos, o esporte, a cultura, o lazer, as viagens etc.). A existência real estaria fora do emprego, mas este ocupa quase todo o tempo, introduzindo uma pro- funda e dolorosa fissura entre o tempo de trabalho e a vida, tema explorado por Thompson, o que anima expectativa reiterada de um mundo sem trabalho, ou sem empregos.

Em segundo lugar, o resultado do processo de trabalho não faz sentido para o empregado, que integra uma espécie de grande“sistema” coletivo, subordinado a um patronato que, em muitos casos na atualidade, sequer é visível ou incorporado em pessoas concretas (tal como os “acionistas”). O objetivo geral do processo de conjunto escapa ao trabalhador, aparecendo como astronômicas cifras de lucro, mero dinheiro, distante da vida concreta, como se não mantivesse mais relação com a extração de valor. O trabalhador pode até saber que sua fábrica produz aviões ou medicamentos, mas a sua parcela de atividade está totalmente subordinada a uma estrutura abstrata, diluída numa massa de atividades conexas, em muitos casos dividida em diversos continentes e em proprietários não visíveis. Ele não se reconhece no produto do seu trabalho, que se lhe afigura como o produto “da empresa”, e sua subordinação parece ser ao “sistema”. A desqualificação do trabalho/emprego e dos trabalhadores está ligada à sua forma social, mas os atinge singularmente.

Permanentemente são postos em prática procedimentos empresariais e/ou políticos para bloquear a emergência das tensões geradas por essas contradições. Citemos alguns, como a superposição de sucessivas formações profissionais, em diferentes níveis, procurando adequar os seres sociais às necessidades específicas – e exigências – do capital, preparando-os para uma disponibilidade a mais flexível possível, frente à inflexibilidade crescente das exigências do capital: a empregabilidade. Outra política – empresarial e pública – reside na falsificação da democracia, através do estímulo (monetário ou por temor ao desemprego) à participação e ao engajamento do trabalhador, que deve vestir a camisa da empresa. Também o estímulo ao empreendedorismo, como apagamento jurídico fictício da relação real de subordinação do trabalho ao capital, que se apresenta como igualdade entre… capitalistas, sendo um deles mero “proprietário” de sua própria força de trabalho.

Em terceiro lugar, mas extremamente relevante, figura a relação entre o trabalhador e a tecnologia. Todos sabem que a tecnologia é fruto de trabalho humano, coletivo, cristalizado em máquinas de inúmeros tipos (mecânicas, eletrônicas, digitais) e processos. Se resultada atividade de trabalhadores, seu direcionamento provém do capital em prol de maior lucratividade. No entanto, a tecnologia costuma ser apresentada como algo “externo” à humanidade e indiferente à sua sorte. Como se, a partir da própria coisa tecnológica, engendrassem-se revoluções na vida social. Ela torna-se uma ameaça, brandida regularmente, como maneira específica de eliminar trabalho (isto é, emprego) na vida social, substituindo os seres concretos em funções que, doravante, serão eliminadas pelo uso de tal ou qual método ou tecnologia. A tecnologia é simultaneamente ameaça difusa de desemprego e promessa do fim do trabalho. A realização por máquinas de inúmeras tarefas é apresentada como garantia de um futuro no qual ninguém mais precisaria trabalhar (transformar a natureza), pois tudo seria produzido por tecnologias (muito ou pouco “inteligentes”), liberando os seres sociais do trabalho, a começar pelas tarefas rudes ou repetitivas. O desemprego que a introdução capitalista de máquinas promove para intensificar a extração de valor é metamorfoseado em liberação do trabalho. A necessidade de trabalhar, porém, subsiste entre os seres sociais da sociedade capitalista, pois sem vender força de trabalho, tais expropriados não subsistem no mercado. Entre ameaça e promessa, desaparecem as possibilidades concretas trazidas por processos de trabalho a cada dia mais socializados, como redução das jornadas sem redução salarial, por exemplo.

Finalmente, outro elemento, de poderosa influência, é a própria expressão da riqueza na sociedade capitalista. Sabemos que a riqueza acumulada pelo capital é “trabalho morto”. Essa riqueza deriva da extração de mais-valor pelos proprietários de capital sobre massas crescentes de trabalhadores que precisam vender sua força de trabalho. Mas ela não aparece dessa maneira: a verdade não está explícita nos supermercados ou nos bancos, menos ainda na publicidade. A riqueza aparece na forma do dinheiro, da própria coisa dinheiro, daquilo que permitiria o acesso ilimitado a todas as coisas. A riqueza – e o modelo de vida sugerido – é o ócio, mas lucrativo. Essa imagem clássica do capitalista reforçou-se nas últimas décadas, na medida em que “os investidores” seriam os que fariam “render” seu dinheiro de maneira quase mágica e, em contrapartida, viveriam uma vida isenta de trabalho.

Sem pretensão exaustiva, observamos como a categoria trabalho está permeada de sentidos contraditórios, positivos e negativos. Há uma tendência forte a identificar trabalho (atividade humana, sociometabólica, de transformação da natureza) com a forma “emprego”, uma das formas de subordinação do trabalho ao capital, que agora se desloca para uma subordinação ainda mais direta, como veremos. As contradições exacerbadas nas sociedades capitalistas induzem, de um lado, à imposição do trabalho, simultaneamente vivida enquanto atividade criativa, enquanto garantia de subsistência/direitos e enquanto sujeição e, de outro lado, promovem uma profunda rejeição do trabalho, na qual se confundem a recusa da sujeição com a dificuldade do acesso ao emprego com direitos.

Direito ao trabalho?

Nunca houve, em nenhuma sociedade capitalista, direito ao trabalho e, se havia alguma ilusão, ela foi derrotada em 1848. Há, sim, obrigação de vender força de trabalho e essa obrigação sequer precisa ser legal, pois se assenta na “natureza das coisas” para essa sociedade expropriatória. Manuais de economia chamam de “pleno-emprego”, em sociedades capitalistas, situações em que as taxas de desemprego estão abaixo de 5% da população! No assim chamado pleno emprego dos anos “dourados” (1945-1975) para os países centrais, os dados estavam truncados, pois não entravam na conta nem os trabalhadores sem direitos (imigrantes), que viviam nesses países, nem os camponeses de outros países que estavam sendo expropriados pelo avanço imperialista dos capitais dessas metrópoles, nem as precárias condições de trabalho que as empresas imperialistas impunham no chamado “3º Mundo”.

Assistimos nas últimas décadas a uma transformação extensa (mas desgraçadamente no interior das condições caracteristicamente capitalistas) das relações de emprego. Intensificam-se expropriações secundárias de diversos tipos. Vamos nos ocupar apenas da expropriação secundária dos contratos de trabalho, que atinge trabalhadores urbanos, em muitos casos já secularmente expropriados dos meios de produção (terra e seus instrumentos de trabalho). Por diversas razões – internacionalização da circulação de capitais contraposta ao relativo encapsulamento dos trabalhadores em âmbitos nacionais; ampliação das expropriações primárias nas periferias, levando a uma disponibilidade crescente de trabalhadores em mercados de trabalho distantes, o que leva ao aprofundamento de tecnologias voltadas para a interconexão e o transporte –, formas secundárias de subordinação de trabalhadores já existentes passaram a se disseminar e a as- sumir papel de destaque: o trabalho por peças, trabalho a domicílio, os estágios (período complementar à formação educativa, em diversos níveis) e as empresas de alocação de mão de obra (terceirização genérica). Forneceram um molde para a subordinação dos trabalhadores ao capital para além do emprego.

A expansão do capitalismo em escala internacional é simultaneamente a produção de mais trabalhadores (expropriações), capazes de produzir mais-valor, e de desemprego. Em outras palavras, pode haver mais trabalho e menos emprego. As formas mais conhecidas são tecnologias que dispensam trabalhadores, processos nacionais ou internacionais de deslocalização de empresas, ou ainda ataques diretos contra direitos conquistados, quando e onde porventura tenham ocorrido melhorias das condições salariais e organização de trabalhadores para assegurar limites legais à jornada e às condições de trabalho.

Se a “natureza das coisas” promovida pela expansão do capital não é suficiente para “domar” os trabalhadores em níveis adequados para a extração de mais-valor, as velhas formas de curto-circuitar direitos ligados ao emprego, através do uso direto da força de trabalho sem mediação de direitos, são reativadas pelas próprias empresas e, em geral, posteriormente rejuvenescidas e“legalizadas” pelo Estado, apresentadas como as novas “necessidades” do crescimento.

Na atualidade, explorando intensamente as contradições experimentadas pelos trabalhadores nas suas relações de emprego, está em curso um processo de subordinação direta– sem a mediação de emprego ou contrato– dos trabalhadores às mais variadas formas de capital. Multiplicaram-se as modalidades jurídicas para enquadrar tais situações, seccionando desigualmente direitos das relações concretas (efetivas) de trabalho. Assim, ao lado da permanência de empregos

com contratos regulares (e direitos), multiplicam-se formas paralelas, com contratos parciais (tempo determinado, jornada parcial ou alongada), terceirizações em vários níveis (subcontratações), subordinação sem contrato (bolsistas, estagiários etc.), salário por peças, trabalho a domicílio, pessoa jurídica (quando o trabalhador cria uma empresa cujo objetivo é vender sua força de trabalho, uma das modalidades do empreendedorismo, na qual o próprio trabalhador torna-se “empresa”, para a qual não estão previstos direitos trabalhistas, ou ainda“trabalho voluntário”, quando trabalhadores aceitam realizar tarefas “sociais” com a expectativa de posteriormente conseguirem empregos)[7].

O Estado e suas agências – e a lei, os regulamentos, as prescrições – são o ponto no qual se procura apagar as determinações de classe, impondo como “necessárias”, “naturais” ou “incontornáveis” as exigências do capital frente ao restante da população. Mas o Estado não existe fora e acima das contradições de classe concretamente existentes. Ele atua ex ante apoiando e ampliando as condições de expansão para o capital, aplainando os obstáculos legais. Atua também ex post, seja na legalização das práticas empresariais que ignoram as leis de maneira massiva, seja frente às reivindicações concretas dos trabalhadores, quando admite alguns freios às formas mais drásticas, introduzindo modalidades de amenização política das condições precárias de trabalho ou do desemprego.

Qual é o ex ante que nos interessa nesse momento? A dupla configuração do capital-imperialismo contemporâneo: a da classe trabalhadora crescente e difusa nacional e internacionalmente e a da centralização e concentração dos recursos sociais de produção. Essa dupla configuração não resulta de uma opção política, como se o Estado pairasse acima das condições sociais. Ela resulta das formas concretas de expansão/contração da dinâmica capital-imperialista ao longo das últimas décadas. Mencionamos acima algumas contradições cotidianas sobre trabalho e emprego. Não é, pois, de estranhar que parcela dos trabalhadores sem acesso a contratos com direitos passe a rejeitar o formato emprego, ora denunciando-o como privilégio (subscrevendo o coro empresarial), ora aderindo a outros formatos que aparecem como liberação do contato direto com empregadores. Pode ser inquietante, mas tampouco é de estranhar que assumam o ponto de vista do capital, pretendendo-se empreendedores de si próprios…

A escala da concentração/centralização de capitais atingiu níveis inimagináveis há poucas décadas8. A propriedade capitalista crucial contemporânea não é apenas a dos meios diretos de produção, mas a dos recursos sociais de produção. A propriedade fundamental é da capacidade de colocar em funcionamento meios de produção e de agenciar força de trabalho – sob formas as mais díspares – para que seja possível a produção de valor (e, sobretudo, de mais-valor) em escalas e âmbitos variados (local, regional, nacional, internacional). Há um salto gigantesco e uma mudança de escala difíceis de serem apreendidas como uma totalidade, contendo aspectos e sentido comuns, tamanhas as diferenças locais, o ritmos e as formas sutis ou brutais que as implementaram. Mas também não resulta de um capitalismo sem política ou sem Estado. Essa concentração é diretamente apoiada por sujeitos concretos, implementando concertadamente práticas de sujeição dos trabalhadores e elaborando políticas explícitas de adequação legal e de formação dessa classe trabalhadora.

Concentração de recursos sociais e expropriações: a sujeição direta do trabalhador

Melhor, talvez, do que uma longa explicação teórica seja detalharmos um exemplo sobre algo muito corriqueiro: o Uber. Seu enorme impacto já gerou no- vos termos, como a “uberização das relações de trabalho” e um verbo, uberizar. Vamos nos ocupar, sobretudo, dessa empresa específica, mas ela não é nem original, nem a única. A forma como opera atravessa diversos setores (alojamento e transporte, financiamento, produção etc.), estimulada por processos explícitos de “incubação”, através de startups[9], gerando várias modalidades da assim mal-chamada “economia colaborativa”[10].

Há um senso comum que trata delas como expressão de “tecnologia”, produtoras de bens “imateriais”, mera maquininha plataforma “reunindo consumi- dores e ofertantes de serviços”, como se fossem “lojas” ou “esquinas” virtuais. Fortemente influenciado por think tanks empresariais e pela propaganda disse- minada na mídia proprietária, o senso comum tende a esquecer o aspecto de produção de valor (e, sobretudo, de mais-valor) que representam.

Um dos pontos de partida pode ser localizado em atividades originadas em projetos antimercantis, estimulando iniciativas socialmente compartilhadas sem fins econômicos. As incubadoras tornaram-se a maneira pela qual o grande capital fomenta startups para expropriar tais possibilidades criadas para evitar o mercado. Um exemplo é a plataforma Linux, não proprietária, que atualmente integra celulares Android (Samsung) e grandes empresas de informática; outro é a web, convertida em base de controle sobre a população em escala planetária. Suas imensas possibilidades jamais se converteram em enfrentamento da dinâmica social concreta do capitalismo, que gera e reproduz mercados através de expropriação, concentração de recursos sociais e extração de mais-valor. De- certo, parte desses novos processos e técnicas nasce como inquietações frente às intensas contradições aguçadas pelo capitalismo e apontam para novas e poderosas possibilidades, mas precisam ser exploradas de maneira crítica. Não à maneira de muitos, fascinados, como se essas experiências fossem imediatamente o que dizem ser (“colaborativas”, “livres”, “bens comuns”). Ao contrário, é preciso identificar as relações reais que acolhem seu nascimento, suas formas específicas de adaptação às formas concentradas do capital, sua generalização e, por fim, as possibilidades e tensões novas que introduzem na relação entre capital e trabalho. Essas iniciativas não acabam com o trabalho, mas aceleram a transformação da relação empregatícia (com direitos) em trabalho isolado e diretamente subordinado ao capital, sem mediação contratual e desprovido de direitos. Antes como depois, o interesse central do capital prossegue sendo a extração e a captura do mais-valor.

Em boa parte, tais plataformas tecnológicas resultam de atividades de trabalho (não empregatícias) realizadas gratuitamente, ou quase, para o grande e altamente concentrado capital: pesquisa, prospecção e desenvolvimento de estratégias ou de“nichos de mercado”. O termo é enganoso: nicho de mercado quer dizer descobrir uma forma de extrair mais-valor, através da utilização do trabalho humano. A ponta tecnológica do chamado empreendedorismo (realizado por trabalhadores de diversas formações, mas sem emprego) dedica-se a pesquisar possibilidades de expropriação secundária, em diversas partes do mundo, que possam converter-se em maneiras de assegurar a subsistência de tais equipes através da implantação de formas de extração de valor em grande escala. Tais prospecções, uma vez mais ou menos testadas, são oferecidas a grandes empresas, a proprietários, a bancos ou sistemas financeiros não bancários, com expectativas de lucros formidáveis na expansão e consolidação de seus processos. Estabelecem associações diretas com capitais altamente concentrados (empresas, bancos, fundos de investimento etc.), pois dependem de enormes recursos sociais de produção para assegurarem a conexão entre a massa de capitais buscando valorização e a massa de trabalhadores disponíveis.

O termo “incubadoras de empresas” é explícito, tão evidente é seu papel de incubação de expropriações e de valorização do valor. A maior parte dessas iniciativas morre no nascedouro e a força de trabalho nelas empenhada parece desaparecer. As associações entre as empresas incubadas (startups) que vingarem e o grande capital são apresentadas como financiamentos, mas o termo oculta os processos sociais subjacentes, de expropriação e de subordinação do trabalho, além dos cuidadosos acertos sobre os diversos tipos de propriedade envolvidos no processo.

No caso da Uber, por exemplo, desde 2010, a empresa capta financiamentos milionários, chegando, na atualidade, a acordos com a Arábia Saudita (que injetou 3,5 bilhões de dólares na empresa) e com a China, que resultou em fusão com a chinesa Didi, em negócio estimado em 35 bilhões de dólares (Insider.Pro, 28/08/2016).

Alguns acreditam – ingênua ou perversamente – que qualquer garoto numa garagem poderia fazer isso, desde que fosse inteligente e esperto o suficiente para idealizar um novo esquema. É certo, há milhares de garotos em garagens tentando chegar a algo assim, gratuitamente. Isso significa milhares de garotos trabalhando arduamente, sem remuneração, em extrema concorrência para “vender” seu projeto de assegurar sua própria subsistência e, se possível, enriquecer.

Seguem algumas características da empresa Uber, relembrando que ela aqui figura apenas como um exemplo. Uber não é proprietária direta das ferramentas e meios de produção (o automóvel, o celular), mas controla ferreamente a propriedade da capacidade de agenciar, de tornar viável a junção entre meios de produção, força de trabalho e mercado consumidor, sem intermediação de um “emprego”. A empresa detém, juntamente com outras grandes empresas ou proprietários, a propriedade dos recursos sociais de produção.

Trata-se de uma coligação íntima (pornográfica) entre as formas mais concentradas da propriedade, que viabilizam o controle econômico do processo na parte que lhes interessa, o controle da extração, a captura do mais-valor e sua circulação de volta à propriedade. A defesa da propriedade intelectual da criação de um processo (a conexão) une-se estreitamente a investidores que, detentores de quantias de dinheiro monumentais, precisam transformá-las em capital, isto é, investi-las em processos de extração de valor. Tais investidores podem ser provenientes de setores variados: fundos de investimento de risco como Benchmark ou First Round Capital, grandes conglomerados financeiros, como Goldman Sachs ou empresas como Amazon ou Google, sem falar em acordos com operadoras de cartão de crédito, com montadoras ou empresas de aluguéis de automóveis. Somente a escala atingida pela propriedade dos recursos sociais de produção permite acoplar uma plataforma de busca a uma tecnologia móvel de cartão de crédito e a um localizador, que asseguram a estreita dependência do trabalhador, pois do cartão depende sua própria remuneração e o localizador denuncia todos os seus percursos, uma vez acionado o celular (conexão principal). E é através do cartão que serão extraídos diretamente entre 20 e 25% de toda a remuneração do trabalhador. A taxa de extração de valor é férrea, assim como o regime de trabalho.

Os interesses comuns a tais grandes proprietários não se limitam aos lucros diretos do empreendimento, mas se estendem às maneiras de contornar a legislação e os impostos, implantando sofisticadas redes jurídicas internacionais e utilizando-se de paraísos fiscais (La Tribune, 23/10/2015). Ademais, é fundamental contar com a livre circulação internacional do lucro, além do estabelecimento de uma defesa política comum com o empresariado dos diferentes países quanto à subordinação de trabalhadores sem direitos e, se possível, com uma intensa difusão através de educação (escolar, pública e/ou privada e não escolar) e da mídia proprietária das vantagens do empreendedorismo, aliado ao fim inelutável do “trabalho”. Isso sem falar de intrincadas imposições legais estabelecidas através de tratados internacionais, que limitam o raio de ação das lutas dos trabalhadores em cada país. Quanto aos impostos do trabalho e da própria atividade, estes serão pagos diretamente pelo trabalhador (taxas de circulação, permissões etc.).

Longe de reduzir a importância da propriedade capitalista, ao contrário, estamos diante de sua potencialização. Trata-se de expandi-la ainda mais, no mesmo compasso em que à grande massa deve restar apenas a propriedade direta de coisas somente conversíveis em capital na forma de maquinaria gratuitamente oferecida ao capital, através da intermediação de um polo conector, que ativa a extração de valor. Os proprietários dessas coisas (no caso, automóveis) são facilmente expropriáveis. O próprio desgaste dos automóveis – sem falar da saúde dos motoristas – fica inteiramente a cargo dos trabalhadores. Imaginando livrar-se desse custo, os motoristas passaram a alugar automóveis. Devem, por- tanto, pagar o aluguel a outro proprietário da ferramenta automóvel, entregando parcela do mais-valor que produzem e continuando a encaminhar ao Uber a parcela pré-fixada como valorização do valor resultante de seu trabalho. A em- presa distancia-se da vida concreta e faz questão de ignorar as condições de vida dos trabalhadores, assegurando-se um custo próximo de zero para maquinaria, matéria-prima (combustíveis, reparos, renovação da frota) e da própria força de trabalho.

Há uma centralização absoluta e internacional do comando sobre os trabalhadores e redução dos custos do processo de valorização do valor. Aparentemente, há apenas um aplicativo de computador a conectar motoristas e usuários. Isso é falso, pois, entre eles, há um credenciamento (para os motoristas e usuários), um cartão de crédito e um rastreador do movimento do motorista, todos totalmente arbitrários e autocráticos. Somente envolvem direitos para os proprietários do capital, escassas garantias para os usuários e nenhum direito para o trabalhador, salvo o de receber parcela do que produziu. Redução de custos não quer dizer sua inexistência: a centralização a esse nível exige intensa coordenação internacional da administração e gestão, além da partilha do lucro entre os demais proprietários dos recursos sociais de produção. No site da Uber, encontram-se, eventualmente, chamadas para o enxuto sistema interno de controle internacional[11]. A contraparte dessa centralização é uma enorme descentralização do processo de trabalho. Para além do credenciamento e do localizador, não há controle direto próximo aos trabalhadores: apenas a pura necessidade deve movê-los ao trabalho. Não há jornada de trabalho combinada ou obrigatória, nem limites para ela, tampouco dias de repouso remunerado. Estes se sabem trabalhadores, mas não se consideram como tal, mas como prestadores de um serviço casual, mesmo se movidos pela mais dramática necessidade. De fato, eles não têm um emprego, mas uma conexão direta de entrega do mais-valor aos proprietários capazes de lhes impor um processo de produção de valor pré-estabelecido. Não são os poros do tempo livre que tais proprietários procuram obturar, como nos processos fabris, que realizam estrito controle do tempo de trabalho. Aqui, trata-se de lidar com novas escalas, ampliando o volume de valor, através de fornecedores massivos de mais-valor. Qualquer tempo disponibilizado pelo trabalhador singular é tempo de lucro.

Importante lembrar que há várias definições de serviços. A mais corriqueira em manuais de economia é meramente descritiva e separa produção (fabril), comércio (os pontos) e serviços. Se as consideramos através das relações sociais que as envolvem, clarificamos sua distinção. É produção, na sociedade capitalista, tudo aquilo que está direcionado para a valorização do valor. Assim, é indiferente para um grande proprietário a atividade concreta realizada por “seus” trabalha- dores, lingerie, sapatos, músicas, programas de televisão ou de computador. Os serviços, nessa concepção, são os processos de trabalho em que os trabalhadores detêm integral e diretamente o controle do processo de produção e vendem o resultado final de sua atividade. No momento em que o trabalhador, dispondo ainda ou não de alguma propriedade direta, somente pode realizar sua atividade sob o comando do capital, saímos de uma relação social de prestação de serviços para o trabalho valorizador do valor, tipicamente capitalista. O contrato – ou a exploração direta – é seu formato jurídico e não traduz as relações reais.

As formas democráticas de gestão das cidades e de transporte coletivo são curto-circuitadas, de maneira quase imediata, pelo ingresso de massas de auto- móveis buscando passageiros sem formação adequada, sem seguros, apresentando-se como uma “carona compartilhada”.

Outro aspecto digno de nota é o bloqueio jurídico e político ex ante a qual- quer ingerência dos trabalhadores sobre o processo, pela própria inexistência de contrato de trabalho. O processo apresenta-se como a reunião de voluntários que prestam um serviço, casualmente remunerado.

Há inúmeras lutas e importantes vitórias contra esse tipo de prática e, em especial, contra a empresa Uber. Juristas em vários países denunciam o vínculo empregatício entre os motoristas e a Uber, pois é a empresa quem define o modo da produção do serviço, o preço, o padrão de atendimento, a forma de pagamento e a modalidade de seu recebimento. É ainda ela quem recebe o pagamento e paga o motorista, além de centralizar o acionamento do trabalhador para sua atividade. A Uber conta ainda com um sistema disciplinar que aplica penalidades aos trabalhadores que infringirem suas normas de serviço. Nada há de compartilhamento, “pois o motorista, ao ligar o aplicativo, não tem senão a opção de seguir estritamente as rígidas normas estabelecidas de forma heterônoma pelo algoritmo do aplicativo criado e gerenciado pela empresa”[12].

Em diferentes países e circunstâncias, há vitórias jurídicas contra a Uber – a começar pela Califórnia e por Massachusetts, que, em 2013, enfrentaram a em- presa, obrigada a pagar 100 milhões de dólares aos seus motoristas nesses esta- dos; além de contestações legais na Tailândia, em Milão e no Rio de Janeiro. Em 2016, a justiça britânica decidiu que não se trata de relação de autonomia entre a Uber e seus motoristas, definindo-os como funcionários da empresa (El País Brasil, 20/12/2016). Ainda cabe recurso. Em janeiro de 2017, a Federal Trade Commission (USA) aceitou encerrar processo por pagamento menor aos motoristas do que o anunciado pela empresa, através de acordo pelo qual a empresa desembolsou 20 milhões de dólares (FTC, 19/01/2017). Em fevereiro de 2017, a justiça do trabalho de Belo Horizonte (capital do estado de Minas Gerais, no Brasil) reconheceu haver vínculo empregatício entre a Uber e um de seus motoristas (Exame, 14/02/2017).

Não faltam protestos e manifestações. O volume de lutas contra a Uber é significativo, especialmente dos motoristas de táxi, que já realizaram diversas greves em inúmeras grandes cidades onde se implantou a empresa. Recentemente, crescem as greves dos próprios motoristas da Uber, por melhorias salariais e redução dos custos de operação, como a que ocorreu nos Estados Unidos (TecMundo, 29/11/2016), em novembro de 2016, e na França, em dezembro de 2016 (TF1, 15/12/2016).

Não obstante tais lutas, denúncias e algumas conquistas, e até mesmo declaração de apoio aos motoristas Uber do primeiro ministro francês Manuel Valls (Le Parisien, 16/12/2016), a estratégia de trabalho sem emprego e de extração direta de valor encarnada na Uber parece imbatível. A empresa continua a se expandir atingindo cifras espantosas de viagens e de negócios, tendo se associado à Didi chinesa, em acordo estimado em 35 bilhões. Para curto-circuitar as reivindicações dos motoristas – fonte fundamental do valor gerado pela empresa –, uma chantagem peculiar: o desenvolvimento de tecnologia para transporte de passageiros sem motoristas. Novamente, as ameaças do fim do trabalho incidem sobre os trabalhadores sem emprego, mas em atividade[13].

Matéria do blog francês Huffington Post – associado ao grupo Le Monde – inquieta-se sobre o que seria um “escravismo moderno”, mas assinala as vantagens para o Estado e para o mercado de trabalho da Uber.
Uber apresenta importantes vantagens, tanto para o Estado, quanto para o mercado de trabalho. […] Uber traz soluções onde o Estado fracassou. É um criador de trabalho dinâmico que facilita o exercício de uma atividade e a inserção profissional. […] A queda de braço [entre Uber e os motoristas] parece longe de terminar, mas várias soluções poderiam ser analisadas. O estatuto dos motoristas, de fato, deve ser redefinido, devendo beneficiar-se de um regime social de trabalhadores independentes mais protetor, se não for o caso de uma requalificação em contratos com duração indeterminada. Enfim, parece igualmente interessante imaginar a emancipação dos motoristas, pela criação de uma plataforma open-source controlada e explorada por eles próprios (Huffington Post, 10/01/2017).
Observe-se que as sugestões tendem a conservar a relação de trabalho direto, sem contrato, mesmo se admite a necessidade de melhorias. O blog ecoa estudo realizado pela Consultoria The Boston Consulting Group-BCG, cujo comunicado, disponível on-line, revela-se um libelo de defesa da Uber, que já traria, em quatro anos, “benefícios para o crescimento, o emprego e a mobilidade”. O ramo de atividade VTC (veículos de transporte com chauffeur profissional), no qual a Uber é central,
já representa 800 milhões de euros em 2016, ou 19% do setor de trans- porte particular de pessoas (táxis e VTC, avaliados em 4,2 bilhões). Ele contribui com 0,04% do PIB francês em 2016 e com 2% de seu crescimento. Na Ile de France [conurbação em torno de Paris], ele atinge 0,1% do PIB e 6% de seu crescimento. Esse ramo envolve um ecossistema de atores, em primeiro lugar os vendedores e locadores de veículos, as seguradoras, consultorias e contabilistas, e centros de formação e de exames autorizados. Estima-se que 25% do preço de uma corrida vai para os atores desse ecossistema direto, entre 150 e 250 milhões de euros em 2016. […] [Tem] impacto positivo na criação de emprego, nas receitas fiscais e na mobilidade – 15% da criação líquida de emprego na França nos primeiros 6 meses do ano de 2016 vem do ramo VTC. Essa cifra atinge 25% na Ile de France… (BCG, s. d.).
O BCG também não se esquece de assinalar a necessidade de ajustes para melhorar acondições dos motoristas de VTC (Uber), inclusive os taxistas. Falamos acima do bloqueio jurídico e político ex ante que protege tais iniciativas. Lastreado em estudos numéricos sobre crescimento de postos de trabalho, de ingressos de impostos e da taxa de crescimento do PIB, o avanço de relações de trabalho desprovidas de direitos entra na conta de uma certa fatalidade tecnológica, para a qual não haveria alternativas, a não ser módicas políticas de redução de danos para os trabalhadores, sem alterar sua condição. Ex ante, o compromisso exigido aos Estados é o de apoio à iniciativa privada, de disciplinamento da força de trabalho (de preferência com aval eleitoral) e de rentabilizar seus recursos (outra maneira de mencionar a disciplina fiscal). Ex post, os ajustes visam, sobretudo, a reduzir os transtornos causados pelas mobilizações de trabalhadores, taxistas ou motoristas de Uber. Aliás, boa parte das regulamentações jurídicas da Uber é deixada às administrações municipais, o que favorece o silêncio obsequioso de legislações mais abrangentes, permitindo o alastramento dessas iniciativas e provando que o procedimento do trabalho desprovido de direitos (trabalho sem emprego) figura como um dos modelos desejáveis para a relação entre o capital e os trabalhadores em escala internacional.

Apenas mais um exemplo, dentre os inúmeros que podem ser encontrados na web, a respeito do Uber e que mostra como tal bloqueio ex ante pode assumir formas diversas: o novo prefeito da cidade de São Paulo, a mais importante do Brasil, decidiu substituir toda a frota de automóveis da prefeitura (em boa parte alugada) pela utilização do aplicativo (Exame, 16/02/2017).

Algumas considerações

A empresa Uber figura aqui apenas como exemplo, embora extremamente elucidativo. Em diferentes ramos de atividade, nas diversas modalidades de contrato, descontrato e subordinação do trabalho, por exemplo, observa-se uma mescla de formas similares. No campo brasileiro, a engorda de animais (frangos e porcos), a produção de ovos etc., é realizada por pequenos proprietários, que devem assegurar, por seus próprios meios (em geral, através de endividamento bancário) as instalações exigidas e certificadas por grandes empresas agroindustriais. Estas, detentoras dos recursos sociais de produção, definem o processo de trabalho e o tempo máximo de sua realização (como o tempo de engorda de cada tipo de animal). Os pequenos proprietários convertem-se em elos de uma enorme cadeia produtiva, na qual realizam processos similares aos que o operário parcelar executa em grandes indústrias, arcando com os custos físicos de implantação e de manutenção do processo e sem… salário. Como alguns dos motoristas Uber, permanecem proprietários dos meios diretos de produção, mas sua atividade é subordinada diretamente ao capital sem mediação de relação empregatícia. Diferentemente dos motoristas da plataforma Uber, ainda possuem pequenos quinhões de terra. São facilmente expropriáveis, a começar pelos bancos que financiam as instalações técnicas e, a qualquer atraso, podem retirar-lhes a propriedade.

Os variados tipos de terceirização da contratação de trabalhadores – bancos, indústria automobilística, mas também têxteis, calçados, música e inúmeros outros (Antunes, 2006) – objetivam, claramente, curto-circuitar a legislação em defesa de trabalhadores, assegurando um distanciamento crescente entre o emprega- dor direto e o proprietário dos recursos sociais de produção (a grande empresa contratante das empresas fornecedoras de força de trabalho). Os cercamentos parlamentares estão em plena atividade.

Pode-se supor que o agigantamento do número de entidades sem fins lucrativos a partir da década de 1980 tenha uma relação direta com esses processos. Frente ao crescimento do desemprego e da imposição de uma concorrência aguçadíssima entre os trabalhadores, generalizaram-se, entre diversos setores, iniciativas voltadas para mobilizar sobretudo jovens com o objetivo de minorar os sofrimentos dos mais pobres, ou mais vulneráveis. Mais uma vez, não se tratava de alterar as relações capitalistas, mas de reduzir seus efeitos deletérios. Nessas novas entidades, implantavam-se relações de trabalho voluntárias e, portanto, desprovidas de direitos. Pouco a pouco, parcela dessas entidades passou a substituir atividades públicas (na assistência social) e consolidou uma atuação mercantil-filantrópica: de um lado, vendia projetos a financiadores (privados e públicos), que asseguravam a manutenção das entidades e sua própria subsistência, e de outro lado, convertia-se em forma de expropriação de direitos em diversos níveis. Essa prática resultava na redução de políticas universais, ao defenderem intervenções pontuais, quase cirúrgicas, em situações dramáticas (fome, abrigo, algumas doenças etc.). Em muitos países, enfrentaram forte oposição pela manutenção das políticas universais, e sua intervenção limitou-se, por algum tempo, ao âmbito da filantropia. Na medida em que as privatizações avançaram e os cercamentos parlamentares conseguiram extorquir direitos, passaram a se apresentar como as mais aptas para parcerias público-privadas, sobretudo na educação e na saúde públicas. Mudavam de escala: fortemente financiadas por grandes empresários, essas entidades hoje são profissionalizadas e procuram elaborar as políticas nacionais e abocanhar parte de seu funcionamento, sobretudo na área da gestão. Entidades privadas, embora sem fins lucrativos, acedem à gestão de hospitais e de sistemas escolares públicos (Bravo et al., 2015). O conjunto do fenômeno ainda é insuficientemente pesquisado, embora já existam variadas pesquisas a respeito de Organizações Não Governamentais.

Nunca ficou tão evidente que a própria forma de organização da sociedade capitalista impele à conversão generalizada da esmagadora maioria da população em massa trabalhadora fragmentária, desprovida ao máximo de direitos e de defesas frente ao grande capital e com jornadas de trabalho necessário crescentes, além do aumento do tempo de trabalho direto e indireto, pelo recuo das aposentadorias. Nunca ficou tão claro o papel do Estado como agenciador ex ante, apoiado em entidades empresariais, elas também “sem fins lucrativos”. Agora, trata-se de disciplinar a necessidade direta, reduzindo-se a intermediação tradicional do despotismo fabril. O Estado deve converter-se em controlador ex post (pelo convencimento e pela violência) dessas massas de trabalhadores, assegurando sua docilidade e disponibilidade para formas de sujeição ao capital desprovidas de direitos. Tanto a rapinagem empresarial, como a escala da concentração e centralização, assim como o papel cumprido pelo Estado, estão evidentes. A questão dramática é por que, nessa enorme explicitação das relações sociais, ocorre paralelamente um aparente recuo da consciência de classe e das lutas dos trabalha- dores para a superação do capital?

Essas considerações, fragmentárias e insuficientes, podem contribuir para aprofundamentos ulteriores. Necessitamos de coletivos de pesquisadores, volta- dos para a compreensão das relações sociais concretas, ainda quando delas resulta uma infinidade de abstrações, sob as quais os processos de dominação e de extração de mais-valor procuram se ocultar. Alguns equívocos merecem ser evitados:
  • A confusão entre emprego (contrato/direitos) e trabalho (venda da força de trabalho) alimenta a suposição de um fim do “trabalho”, como se o capitalismo não repousasse sobre a extração de mais-valor. A chantagem imposta pelo capital encontra eco em variadas tendências teóricas;
  • acresce a essa confusão a suposição de que o capital “financeiro” pode reproduzir-se sem a valorização do valor propiciado pelos processos de trabalho. Esquecem-se de que ele integra a concentração exacerbada da propriedade das condições sociais de produção, que essa concentração é a maior impulsionadora da extração de valor sob quaisquer condições. Longe de acabar com o trabalho, a atuação desse polo concentrado reduz o emprego com contratos e direitos a alguns setores dos trabalhadores, e impulsiona firmemente a extensão de formas de sujeição direta dos trabalhadores a processos apenas aparentemente abs- tratos. A tecnológica “plataforma de conexão” é, de fato, uma empresa e um enorme conglomerado de recursos sociais de produção;
  • a superposição de modalidades díspares de subordinação do trabalho ao capital exacerba a fragmentação efetiva da massa de trabalhadores, seccionados entre os com-direitos, os com algum-direito, os com poucos-direitos, os quase-sem-direitos e os sem-direitos que, precisando defender seu lugar específico na hierarquia de direitos, dessolidariza o conjunto de maneira profunda. Outra tendência forte é a dessolidarização intergeracional: conservam-se os direitos dos mais velhos, enquanto são praticamente suprimidos os direitos dos novos ingressantes no mercado de trabalho;
  • Ao crescer a distância entre os proprietários dos recursos sociais de produção (ocultos sob holdings, conselhos de acionistas, plataformas digitais, entidades sem fins lucrativas, etc.), cresce a dificuldade dos trabalhadores, já segmentados, a enxergarem seu processo de sujeição – e sua atividade criativa, o trabalho – como um processo coletivo;
  • essa fragmentação estimula a reatualização das segmentações pré- -existentes entre trabalhadores (nacionalidades, cor de pele e racismos, sexismos diversos etc.) que, novamente de maneira confusa, é apresentada por tendências teóricas diversas como “novas tensões” ou “novos” movimentos. Aqui, consciente ou inconscientemente, voluntária ou in- voluntariamente, ocorre um processo intelectual – e prático – de apagamento das classes sociais, nutrido ainda por uma mercantil-filantropia que recebe recursos das entidades capitalistas internacionais e das pontas mais concentradas do capital. Chegamos ao ponto de aceitarmos uma periodização fictícia, na qual se propõe uma espécie de “marco zero” de “novas” reivindicações na década de 1970, apagando-se as in- tensas lutas feministas e antirracistas que atravessaram os séculos XIX e XX, sombreando as lutas anticoloniais e o papel desempenhado pelos partidos comunistas, trotskystas e, até mesmo, socialistas;
  • há uma espécie de aceitação tácita do capitalismo como insuperável numa vasta gama de movimentos e partidos, inclusive dentre muitos que se autoproclamam de esquerda. Desse ponto de vista, ser de esquerda parece significar certa devoção para “minorar” as difíceis condições de vida de alguns setores sociais. Esse tipo de atitude adota a postura da filantropia mercantilizada e banaliza a suposição do fim do trabalho e das classes sociais, supostamente substituídas pela pobreza, excluídos, vulneráveis etc.;
  • ocorre intensa rapinagem burguesa expropriando conquistas populares ancoradas no Estado, através de um hiperativismo empresarial legiferante, produzindo leis (e arbitragens privadas) destinadas a reduzir direitos da grande maioria da população, composta por trabalhadores, ao mesmo tempo em que promove sucessivas legalizações (ajustes) adequando práticas ilegais postas em ação em ampla escala pelo empresariado. A essa rapinagem acrescenta-se a privatização de empresas e serviços públicos, ao lado da intensificação da captura dos recursos organizativos populares pelo grande capital: estímulo aos fundos de pensão privados e de investimento, como compensação à fragilização imposta aos sistemas públicos de previdência;
  • insegurança social crescente, pelo aumento da concorrência predatória no interior da classe trabalhadora, com estímulo legal. Ao se intensificarem políticas de Estado para conter as massas trabalhadoras, aumenta simultaneamente a violência – aberta e simbólica – contra os setores populares. Processos de militarização da vida social disseminam-se.
Finalmente, seria importante assinalar que essa expansão da relação direta de extração de valor resulta de e gera novas e poderosas contradições e podem abrir lutas dos trabalhadores também em nova escala. Como mencionamos acima, boa parte das novas tecnologias nasceu em ambientes contestadores do mercado ou de algum tipo de propriedade, porém nascem dentro de relações sociais capitalistas e as reproduzem. Utilizam permanentemente linguagem com expressões contestadoras, mas convivem com a naturalização do capital e com formas brutais de extração de valor. Por isso, prestam-se facilmente a interpretações idealizadas, que as tomam ao pé da letra, como se a colaboração que sugerem não estivesse emprenhada pela valorização do valor. A forma da relação social efetiva, concreta, entre os trabalhadores e os proprietários das condições sociais de produção prossegue sendo a do trabalho contra o capital e segue sendo essa a luta capaz de abrir novos horizontes históricos para a humanidade.

Nas condições atuais, o risco maior parece ser formas de extermínio crescentes – para além do encarceramento massivo – realizadas por Estados ou sob seu silêncio. Não por escassez de capitalismo industrial, como querem alguns. Nem por estar o capitalismo ultrapassado pela superação do trabalho, como supõem outros. Mas por seu excesso e necessidade insaciável de expansão.

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Notas
[0] Este texto é um desdobramento de intervenção no Colóquio Marx e o Marxismo 2016: Capital e poder, quando compartilhei a mesa redonda “Trabalho e capital: as contradições políticas contemporâneas” com Marcela Soares. Foi originalmente publicado na revista KALLAIKIA – Revista de Estudos Galegos, nº 2, junho de 2017. Agradeço o estímulo de Maurício Castro.
[1] Harvey (2004, p. 45) analisa o processo atual como um “novo imperialismo”, gerando uma nova etapa capitalista de “acumulação por espoliação”. Por outro viés, considero que as expropriações são constitutivas de todas as fases do capitalismo, e aguçaram-se recentemente, além de incidirem sobre novos fenômenos (águas, germinação das sementes, biologia humana etc.). Cf. Fontes (2013).
[2] Cf. Marx (1996).
[3] Ver o elucidativo artigo de E. P. Thompson (1995), “Tiempo, disciplina de trabajo y capitalismo industrial”.
[4] “Dado o salário por peça, é naturalmente do interesse pessoal do trabalhador aplicar sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao capitalista elevar o grau normal de intensidade. Do mesmo modo, é interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho.” […] “mesmo permanecendo constante o salário por peça, implica em si e para si uma baixa de preço do trabalho.” […] “Mas a maior liberdade que o salário por peça oferece à individualidade tende a desenvolver, por um lado, a individualidade e, com ela o sentimento de liberdade, a independência e autocontrole dos trabalhadores, por outro lado, a concorrência entre eles e de uns contra os outros.” Marx (1985, pp. 141-142).
[5] Muitas excelentes análises assinalam a exacerbação da violência do Estado, e são fundamentais. Grande parte delas não correlaciona o fenômeno às formas de contenção da força de trabalho, por considerar o trabalho superado para o capital. Ver Agamben (2004); Arantes (2007); Brito & Oliveira (2013).
[6] Um dos sustentáculos centrais do “espírito” do capitalismo, segundo Max Weber (1983).
[7] Francisco de Oliveira cunhou uma curiosa expressão, o “trabalho sem-formas”: “[…] entre o desemprego aberto e o trabalho sem-formas transita 60% da força de trabalho brasileira […] É o mesmo mecanismo do trabalho abstrato molecular-digital que extrai valor ao operar sobre formas desorganizadas do trabalho.” (Oliveira, 2007, pp.34-35).
[8] Dentre inúmeras referências, ver Piketty (2013) e recente relatório elaborado pela OXFAM em 2017, denunciando que 8 homens possuem a mesma riqueza que a metade mais pobre do planeta, disponível em <https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/economia_para_99-relatorio_completo.pdf>.
[9] “Muitas pessoas dizem que qualquer pequena empresa em seu período inicial pode ser considerada uma startup. Outros defendem que uma startup é uma empresa com custos de manutenção muito baixos, mas que consegue crescer rapidamente e gerar lucros cada vez maiores. Mas há uma definição mais atual, que parece satisfazer a diversos especialistas e investidores: uma startup é um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza.” Definição de Yuri Gitahy, publicada em revista brasileira destinada a público empresarial (Revista Exame, 03/02/2016; itálicos meus).
[10] Ver, por exemplo, <http://compass.consumocolaborativo.com/conferencias/>, onde se pode encontrar diversas apresentações sobre empresas de “novo tipo”, “colaborativas”.
[11] Cf. <https://www.uber.com/a/join?use_psh=true&exp=a-int-psh>, acesso em 22/09/2016.
[12] Vale ver o extenso e bem fundamentado argumento desenvolvido pelo professor e desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior. In: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI237918,-41046-Motorista+do+Uber+podera+ser+considerado+empregado+no+Brasil>, 20/04/2016.
 
[13] Cf. <https://pt.insider.pro/technologies/2016-08-28/conheca-historia-da-uber/>. A extração de valor por transporte sem motorista envolve deslocar o ponto de mira: Uber se associa com empresas automobilísticas gigantes que pretendem, assim, renovar suas frotas. O consórcio proprietários dos recursos sociais de produção passaria a compartilhar lucros derivados da exploração de operários na indústria automobilística.
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THOMPSON, E. P. Costumbres en común. Barcelona: Grijalbo, 1995.
TRIBUNE, LA. “Ou va l’argent d’Uber?” In: <http://www.latribune.fr/entreprises-finance/services/transport-logistique/ou-va-l-argent-d-uber-516391.html>, 23/10/2015
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1983.
WOOD, E. A origem do capitalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
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Resumo: Análise de alguns sentidos históricos das relações de trabalho contemporâneas, criticando duas falsas evidências contemporâneas: a de que trabalho se reduziria a emprego; e de que seria supérfluo no capitalismo atual. O artigo assinala um novo papel do Estado capitalista, deslocado de papel complementar à reprodução da força de trabalho para o de contenção de massa crescente de trabalhadores com direitos expropriados, anteriormente associados ao contrato de trabalho. A extrema concentração da propriedade capitalista – a dos recursos sociais de produção – contraposta a trabalhadores desprovidos de direitos é exemplificada pela empresa Uber. Além de ausência de direitos (desemprego) e de jornadas ilimitadas, ocorre uma centralização direta e internacional do comando capitalista sobre os trabalhadores, acoplada à extrema descentralização do processo de trabalho. Finalmente, aborda o papel das entidades empresariais sem fins lucrativos na expropriação de direitos de massas crescentes de trabalhadores.

Palavras-chave: trabalho; trabalhadores; emprego; tecnologia; capital; Estado; Uber.

Capitalism in times of uberization: from employment to labor

Abstract: The paper consists in an analysis of some historical sense of the contemporary work- relations, criticizing two false contemporary evidences: that labor reduces itself to employment; and that it would be superfluous in the present capitalism. The paper indicates a new role performed by the capitalist State, dislocated from the complementary role it plays to the reproduction of the workforce to that of contention of the increasing mass of workers expropriated from rights previously associated by the work contract. The extreme concentration of capitalist property – that of social resources of production – opposed to workers with no rights is exemplified by the company Uber. Besides the absence of rights (unemployment) and the unlimited workdays, there is a direct and international centralization of capitalist command over workers, together with an extreme decentralization of the work process. Finally, it deals with the role of nonprofit corporate entities in the expropriation of rights of increasing masses of workers

Keywords: labor; workers; employment; technology; capital; State; Uber.
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FONTES, V. Capitalismo em tempos de uberização: do emprego ao trabalho. In: Marx e o Marxismo - revista do Niep-Marx, [S.l.], v. 5, n. 8, pp. 45-67, jul. 2017.
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A miopia agnóstica de Popper contra Darwin e Marx



Metafísica descontinuísta da ciência

Não é o lugar aqui para me alongar na crítica da filosofia da ciência de Sir Karl Popper. Ele mantém as premissas neopositivistas de que “causas” e “leis” são meras construções lógicas que não se referem à realidade em si, mas recusa o “princípio da verificação” das hipóteses científicas por via indutiva do empirismo lógico (Shilick, Carnap, Heichenbach) como critério para distinguir a ciência da pseudociência. Popper propõe um esquema de procedimentos dedutivos que oriente a refutação das teorias: “deve ser tomado como critério de demarcação não a verificabilidade, mas a falseabilidade”. Em escritos no contexto da Guerra Fria, Popper ataca o marxismo como um mito inimigo da “sociedade aberta” (que para ele e seus amigos neoliberais tem que ficar dentro dos muros do capitalismo) e como “profecia historicista”. A leitura destes livros demonstra a profunda incompetência de Popper para compreender o pensamento dialético em geral e uma total incompreensão, em particular, acerca das concepções teóricas e do dinamismo interno da estrutura de pensamento de Marx. Quem não consegue compreender não é capaz de uma crítica efetiva, é incapaz de superar ou ir além.

Em Conjecturas e refutações — onde defende o método que prevê a cada falsificação empírica singular ou a cada incoerência lógica uma recusa de todo o conjunto de hipóteses teóricas e sua substituição por conjecturas novas — Popper volta a atacar Marx como um religioso que deifica a história e apresenta “profecias como as do velho testamento” e não “predições científicas”, porque estas teriam que ser “condicionais”, do tipo: “determinadas alterações (por exemplo, a mudança da temperatura da água numa chaleira) serão acompanhadas por outras modificações (como a fervura da água)”. Aí temos a reafirmação da concepção neopositivista de ciência — restrita a “sistemas estacionários e recorrentes” — que desqualifica qualquer lei histórica (inclusive as da teoria da evolução de Darwin) e sequer compreende o conhecimento dialético da história concreta (em que o complexo é reconstruído na sua manifestação atual, gênese e devir tendencial).

Já a aplicação do modelo popperiano de “refutações” é unilateralmente descontinuísta (remete à metafísica de Hume) e impossibilitaria todo progresso efetivo na sistematização do conhecimento; pois uma teoria científica deve ser julgada pela fertilidade a longo prazo do núcleo duro de seu programa de investigação, mais do que pela refutação de algum erro factual ou inconsistência singular.

Ainda assim, deve-se dizer que as leis histórico-ontológicas expostas nas obras de Marx são sempre condicionadas: são ligações internas e necessárias dos complexos fenomênicos, mas sua necessidade é tendencial e histórica; desde sua obra juvenil sobre Epicuro, Marx afirma a objetividade do acaso e recusa qualquer dogmatismo racionalista; para ele a necessidade existe só na forma “se é isto, então será aquilo”.

Seria algo bastante simples “refutar” as teorias de Marx se a experiência histórica concreta mostrasse, por exemplo, que: na medida em que se desenvolve a indústria capitalista ela depende menos da tecnologia e o capital fica menos concentrado e centralizado; que a parte do salário destinada a adquirir mercadorias diminui e aumenta a parte do salário destinada a adquirir os próprios meios de produção, permitindo que mais e mais trabalhadores se tornem donos das fábricas; se com o desenvolvimento do capitalismo diminuíssem as desigualdades sociais; se, além disso, transcorressem décadas sem crises econômicas e desaparecessem as contradições entre capital e trabalho. Então as predições de Marx estariam refutadas. É evidente que não foi esta a história real do capitalismo desde 1867, pelo contrário, as leis tendenciais de movimento que Marx descobriu estão sendo comprovadas pela experiência histórica.

Geraldo Barbosa, Atualidade de Marx e crise do capitalismo.
In: Voz Operária, entrevista, abril, 2011.

Racionalismo formal e necessidade religiosa

O neopositivismo [e toda a tradição do racionalismo formal] não leva em conta, diretamente, as necessidades religiosas, sendo mesmo possível afirmar que sua mais profunda tendência consiste em ignorar por completo tudo aquilo que não pode encontrar expressão adequada na “linguagem” da ciência por ele semanticamente depurada. Porém, de tal regulamentação da linguagem pode, no máximo, resultar que uma série de problemas com os quais a filosofia se ocupou até o presente fique excluída do âmbito dessa regulamentação e, desse modo — da óptica neopositivista — deixe de pertencer à série de problemas científicos. Com isso, no entanto, nada se diz nem a favor nem contra as necessidades religiosas. Portanto, quando os representantes espirituais das necessidades religiosas referem-se a determinados resultados da filosofia neopositivista, isso não implica necessariamente uma concordância com as intenções desta última, mas tão somente a utilização de seus resultados.
 
[...] Quando a ciência e a filosofia científica, pela eliminação de toda problemática ontológica de seu âmbito, provocam o renascimento da dupla verdade, a científica e a metafísica (assim o neopositivismo designa todo problema ontológico), a religião fica livre para preencher esse espaço como bem entender e puder.
 
György Lukács, Para uma ontologia do ser social I.
São Paulo: Boitempo, 2012, p. 51-52.

Empirismo camuflado 
 
Consideremos a mais conhecida tese de Popper: a ciência não procede por “indução” — isto é, encontrando instâncias confirmativas de uma conjectura, mas antes falsificando conjecturas arriscadas e atrevidas. A confirmação, argu­mentou, é lenta e nunca é certa. Por contraste, uma falsificação pode ser súbita e definitiva. Além do mais, encontra-se no coração do método científico.

Um exemplo familiar de falsificação liga-se à asserção de que todos os cor­vos são pretos. Sempre que se encontra um novo corvo preto confirma-se obviamente a teoria, mas há sempre a possibilidade de que apareça um corvo não preto. Se tal acontece, a conjectura é imediatamente desacreditada. Quanto mais vezes uma conjectura enfrentar os esforços para a falsificar, afir­mou Popper, maior se torna a sua “corroboração”, todavia, a corroboração é também incerta e não pode nunca quantificar-se o seu grau de probabilidade. Os críticos de Popper insistem em que “a corroboração” é uma forma de indução, e que Popper simplesmente introduziu à sorrelfa a indução pela porta das traseiras dando-lhe um novo nome. A questão famosa de David Hume era “Como é que a indução pode ser justificada?” Não pode, disse Popper, porque tal coisa como a indução não existe!

Há muitas objeções a esta afirmação assombrosa. Uma é a de que as fal­sificações são muito mais raras em ciência do que a procura de instâncias confirmativas. Os astrônomos procuram por sinais de água em Marte. Não pensam que estão a fazer esforços para falsificar a conjectura de que Marte nunca teve água. [...]
 
Popper reconheceu — mas descartou como não sendo importante — que a falsificação de uma conjectura é simultaneamente a confirmação de uma conjectura oposta e que cada instância confirmativa de uma conjectura é uma falsificação de uma conjectura oposta. [...] 

Para os cientistas e filósofos estranhos à confraria popperiana, a ciência opera principalmente por indução (confirmação) e também e menos frequentemente por desconfirmação (falsificação). A sua linguagem é quase sempre a da indução. Se Popper aposta num certo cavalo para ganhar uma corrida e o cavalo ganha, não é de esperar que grite, “Boa, o meu cavalo não conseguiu perder”. 

Os astrônomos estão agora a encontrar evidência constringente de que planetas mais [“maiores”?: trad. errada?] e mais pequenos orbitam sóis distantes. Seguramente esta é evidência indutiva de que pode haver planetas do tamanho da Terra mais além. Porquê preocupar-se em dizer, cada vez que um novo e mais pequeno planeta é descoberto, que tende a falsificar a conjectura de que não há plane­tas pequenos [“maiores”, ou “não pequenos”, como a Terra?: trad. errada?] para além do nosso sistema solar? Porquê arranhar a orelha esquerda com a mão direita? [...] 

Ernest Nagel, famoso professor de Filosofia da Ciência da Universidade de Columbia, na sua Teleology Revisited and Other Essays in the Philosophy and History of Science (1979), resumiu o assunto deste modo: “A con­cepção de Popper acerca do papel da falsificação... é uma sobressimplificação que está perto da caricatura dos procedimentos científicos”.

Para Popper, aquilo que o seu principal rival Rudolf Carnap designava por um “grau de confirmação” — uma relação lógica entre uma conjectura e toda a evidência relevante — é um conceito inútil. Em vez disso, como referi anteriormente, quanto mais testes de falsificação uma teoria passar, mais ela ganha em corroboração. É como se alguém declarasse que a dedução não existe, mas que, certamente, algumas afirmações podem implicar logica­mente outras afirmações. Vamos inventar um novo termo para dedução, tal como “inferência justificada”. Popper não discordava assim tanto de Carnap e de outros indutivistas, de modo que reformulou as suas ideias numa termi­nologia bizarra e esotérica.

Martin Gardner, A Sceptical Look at Karl Popper 
(Traduzido e adaptado por Pedro Mota).
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quinta-feira, 13 de julho de 2017

ARTE REALISTA| Good business


 
Synopsis: Humans of late capitalism makes a deal with a new client.
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Good business (feuilleton, IRE, 2017), of Ray Sullivan.
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